Falar em novela no Brasil é algo que beira o estressante.
“Se não gosta, não assista!” você pode dizer, mas, antes que eu te mande lamber
um bode bem suado, devo te explicar que eu não assisto mesmo. Nenhuma história
deveria levar mais de 3h na TV pra ser contada (para filmes, porque para
séries, eu aceito, no máximo, 3 temporadas). O que pega é minha preocupação
social. É quase um alívio não ver negros na TV pelo ponto de vista que quase
tudo que se faz é uma bela bosta bem divulgada, se não tanto por histórias, a
ruindade vem das escolhas de elenco, mas o preconceito é o que mais exclui
minha audiência. Tenho amigos negros que são atores e simplesmente não se acham
nesse meiozinho fechado e pantanoso da TV aberta. Mesmo os que se abstêm desse
universo, adorariam estar lá se fossem aceitos como gente, pô, como seria
bonito ver o Brasil bem representado pelo seu povo na TV, né?
Utopia! Não é assim
que se muda o mundo, as nações não se ergueram pelas belas palavras de um
filósofo de facebook acomodado E tenho amigos e parentes negros que assistem a isso
achando que o mundo está sendo bem representado. Mas não tem negros... ‘Ah, o
que é que tem?”, tem que uma criança ou uma pessoa adulta de menor potencial
contestatório pode – e vai – achar que isso é normal. E achando esse mundo
caucasiano normal, sabe o que acontece? Acontece aberrações do tipo “Ah, ali,
tem um negro sim, viu? Você reclama de barriga cheia!”... Nem falo nada, por que
ouvi uma dessas não faz muito tempo. E vivenciei, dia desses, um papo grotesco
acerca de características da raça. Numa conversa sobre cabelos, ouvi de uma
pessoa negra – cabelos chapados – que cabelo liso e escorrido é que é chique,
porque é muito melhor. Obviamente, novelas como Lado a Lado, em que um casal
negro e protagonista se casa no final, são raras demais para convencer o negro
de que tem características próprias e não há um padrão para se espelhar na Escandinávia,
por exemplo (e que fique claro, não sou contra o alisamento, sou contra o
menosprezo pelo crespo).
Agora, vamos ver o que observei acessando os sites das três
principais novelas da emissora que se liga em você (isso porque se liga,
imagina se não ligasse!)
45 personagens no site oficial da novela
5 negros.
O
primeiro personagem negro aparece lá pela oitava fileira da lista (mas é a Cacau
Protásio, que tem um destaque desde Avenida Brasil e Vai que Cola).
76 personagens no site oficial.
6 negros
Sendo
o primeiro a partir da 10ª fileira de perfis, isso porque é o eterno Raí, filho
da Preta, em Da Cor do Pecado... aquele que já foi mutante na Record.
79 personagens.
2 negras.
Lá pela 15ª fileira
aparecem as duas únicas personagens negras (parece que rolou uma participação de mais alguém recentemente, mas não conta como elenco oficial, talvez uma média pelas reclamações).
Isso porque o autor Walcyr Carrasco afirma que gordo sofre mais preconceito do que negro. Ironicamente não há negros na sua novela. Talvez eles achem que não há racismo porque não há negros no mundo deles. Somos uma minoria exótica em meio a um povo igualitário. Tudo isso só que não.
Quer me chamar de ‘patrulha’? Vá em frente, a hora é agora,
porque fui investigar mesmo. Mas, nesse caso, prefiro ser patrulha do que achar
que o mundo nasceu assim e o que resta é aceitar e bater palmas pra maluco.
Daqui a pouco estarão achando que além de São Paulo só ter UM hospital e (quase) nenhum
negro pelas ruas, vão achar que o Rio de Janeiro é uma grande pista estampada
de calçadão de Copacabana para umas modelos europeias desfilarem para a
Boticário. O negro é negado e renegado na mídia. Como diria Érico Brás, o Jurandir da também global Tapas e Beijos, é difícil dizer isso, mas meu país é racista. E tão hipocritamente racista que gera este tipo de demagogia:
Na novela Duas Caras, puseram uma personagem negra pra ler Não Somos Racistas. Simplesmente uma obra de Ali Kamel, chefão do jornalismo da Rede Globo. Mensagem subliminar? Acho que não, é propaganda ideológica goela abaixo mesmo. Ele é contrário ao movimento negro e acha que cotas dividem o país. Obviamente, porque ele não é negro nem pobre. |
Eu sou contrária ao movimento nego e não acredito em cotas raciais. O problema no Brasil vai muito além da cor da pele de uma pessoa. O problema do Brasil é desrespeito e falta de educação.
ResponderExcluirEste comentário foi removido por um administrador do blog.
ResponderExcluirDivagou brilhantemente!
ResponderExcluirTambém compartilho do mesmo pensamento: pra ser representada nas grandes mídias sempre de maneira pejorativa, prefiro representação nenhuma. A gente precisa entender definitivamente que o preto precisa produzir pra preto. Somente assim, nossa história será contada sem deturpação, sem estereótipos, sem alimentar racismo.
Este autor acha que SP só tem branco. Definitivamente ele não entende absolutamente nada da população paulista.
Afirmar que gordo sofre mais discriminação que preto é universalizar as problemáticas, pra não discutir nenhuma. É colocar racismo num patamar nivelado de opressão pra ter propriedade quando afirmar que a gente é neurótico. Quando na verdade a gente sabe, que o racismo é problema social, econômico, financeiro... E que por mais que eu saiba que gordo também sofre preconceito (e posso afirmar com propriedade), não é a causa da morte física, psicológica, cultural e econômica de uma generosa fatia da população.
Esse cara é um babaca! Adorei o texto e as pesquisas. Parabéns!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirE pelo problema de " desrespeito e falta de educação" no país criamos ações emergenciais, porque se formos esperar que o problema do "desrespeito e da falta de educação" resolvam a desigualdade social que negros e indígenas sofrem, iremos ficar sempre à margem e cada vez pior. Cotas são emergenciais e têm tempo, não são só para negros, são para indígenas e uma parcela de alunos da escola pública. Precisam ser revisadas, para não criar privilégios. É uma lei discutida por um grande número de pessoas, a favor ou não. Mas há um debate importantíssimo, isso é democracia. Estar por dentro do processo democrático também é "ter respeito e ser educado". Realmente, a sociedade brasileira, em todas as camadas precisa de educação, de humanização, de sensibilidade, empatia, saber das leis. Saber, conhecer, que cotas sempre existiram, desde a colonia, para as capitanias hereditárias para quem o país foi dividido, depois no império para os fazendeiros que ficaram com terras públicas. Observem as disputas por terras demarcadas. As cotas, hoje, resolvem a desigualdade? Não. Não existe mágica. Mas porque incomodam tanto, tiram privilégios de quem? Elas vêm acelerando a inclusão e têm a função de mostrar a desigualdade, de mostrar a exclusão do negro na primeira fase de industrialização do pais, de mostrar que as universidades públicas, bem equipadas, bem financiadas, têm dono, têm clientes fixos, bem preparados em escolas particulares, mas, são pagas pelos impostos sob a população, boa parte desses 50% que não aparece na TV, porque esteticamente, a elite rejeita. Mas vai ter de ceder para vender, pois, hoje, é a parcela que consome mais, que paga mais, a mudança é devagar, mas vem. Dia menos dia "a gente se vê e se encontra por aqui". E, você não divagou, caro Fernando. É cada vez mais urgente e necessário falar sobre a nossa realidade, sem melindres e com a sagacidade do seu discurso. Seu texto conversa com o trabalho pioneiro de Zoel Zito em "A negação do Brasil". Grata.
ResponderExcluir* Se tiver algum equívoco ou dado errado, me perdoem.
Valeu, 'Trajetos', o que você disse é bem o que me motiva a escrever em prol da causa negra. Também concordo que cotas são um plano emergencial e já percebi que geralmente quem é contra, não avalia a gravidade histórica, apenas analisa o hoje, como se o mundo tivesse ficado assim na última madrugada. Já fui chamado de egocêntrico e auto-vitimizado (sempre falo isso), mas quem alega isso sempre está num grupo que não é contemplado, um discurso demagogo de "somos todos iguais", tipo a capa do livro do Ali Kamel que eu mencionei no final do texto. O problema do Brasil é social sim, mas quem disse que o racismo não o é? Nos EUAses, pelo menos, ocorreram conflitos, o povo foi às ruas, as lideranças tinham voz e direitos civis foram conquistados. Aqui, acredita-se no mito da democracia racial e tentam menosprezar tanto nossa história quanto nossa causa. É fácil decidir o certo e o errado de uma confortável situação financeira, quando as necessidades básicas estão supridas e você pode ou não acessar ambientes acadêmicos e sociais por pura democracia. Difícil é entender porque quem não faz parte dos contemplados é contra. Eu já tenho o direito de me unir civilmente com minha mulher, mas não tento limar o direito de um gay porque eu não tô levando um amais com isso. E, pra terminar: Eu não removi nenhum comentário pra deixar os argumentos expostos, pois, acredito que isso ajude no desenvolvimento de mais argumentos. Essa história de 'removido pelo autor' não é coisa minha, provavelmente do blogger.
ResponderExcluir