terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Pantera Negra e a Representatividade



Pegando ainda o gancho da infeliz - e desprovida de caráter - de Tiago Leifert ("esse negócio de representatividade não leva a nada"), me peguei pensando sobre 'esse negócio de representatividade' ao longo da semana.

Primeiro, que não preciso nem dizer o quão deficitária de um mínimo de lógica foi a colocação débil do referido apresentador, né? Não vou nem levá-lo a sério, branco, rico, famoso e trabalhando para um dos maiores pilares da contra-representatividade no país, afinal, cadê o tal espelho/janela por onde o Brasil se veria na TV - como dizia um famoso slogan da emissora - se a maioria de negros do país não vê nem 10% diante das câmeras e quase nenhum atrás, com a caneta de escritor e a cadeira de diretor? Enfim, vamos falar de representatividade, que além de importar muito, está ganhando um importante capítulo na nossa luta por mais justiça social, igualdade e respeito. Não só do branco rico para/com o negro pobre, mas do próprio negro para/consigo mesmo.

Como tudo começou?

Eu era bem pequeno e, ao contrário do que muitos pensam, crianças veem diferenças sim. Pode ser algo residual da convivência com adultos que reproduzem racismo, mas mesmo involuntariamente, muita criança fala e ouve bizarrices que só vão entender depois de grandes, SE derem sorte. É perfeitamente capaz de alguém passar a vida achando que preto é motivo de piada sem que tenha a oportunidade de aprender a questionar de onde vem isso. Aliás, muito preto passa a vida se conformando com isso e achando que deve ser o coadjuvante cômico da própria vida.

Sendo assim, eu, tendo nascido no início dos anos '80, tinha pouquíssimos personagens de grande apelo público para me espelhar. Sim, tinha os disfarçadamente negros, como Panthro (dos Thundercats e seu visual nitidamente negro, inclusive o estereótipo de mecânico da equipe) e até mesmo He-man (que, ao se transformar, passava de um frágil branco para um viril bárbaro negro, de cabelos loiros (?!)), mas esses não contavam. Não tínhamos muitos personagens que se apresentassem como negros e se colocassem em pé de igualdade.

Tinha a Tempestade nos gibis, ainda não existia o Super Choque e John Stewart, o Lanterna Verde negro do desenho da Liga da Justiça, era pra lá de secundário mesmo nos gibis, nunca tendo aparecido em qualquer desenho antes da série clássica de 2001. Os principais e, mais importante, os que mais chegavam ao imaginário popular, ganhavam filmes, desenhos e linhas de bonequinhos, eram os brancos de classe média Superman, Homem-Aranha, Batman, etc.

Se eu entrasse numa brincadeira para se incorporar em algum personagem, eu sempre era motivo de algum coleguinha parar a brincadeira para ressalvar que eu era o 'Flash depois do incêndio', ou o 'Superman que caiu na lama' e essas baboseiras que ilegitimavam minha humanidade enquanto negro. E a criação de personagens possibilitava esse discurso. A maioria foi criada nos EUAses da década de '30 a '70, um país que a maioria é branca e o público consumidor, idem.

E no Brasil, Saga?

Bem, no Brasil, o referencial na TV era muito pobre. Mussum, Tião Macalé e Jorge Lafond, alegravam vidas nos Trapalhões, mas não de um jeito muito representativo. Eram os alívios cômicos do racismo (e no caso de Lafond, de homofobia). Eram tratados como caricaturas e nós, na vida real, éramos os 'filhos'. Que pretinho crescendo na década de '80 nunca foi chamado de filho do Mussum para gargalhadas histéricas e debochadas? Era nosso lugar na sociedade. Não é?

Ah, tínhamos também o clássico Sítio do Pica-Pau Amarelo, de Monteiro Lobato e sua transmissão clássica... Ah, os pretos eram o Saci, uma criatura folclórica brasileira conhecida por só aprontar com os outros, um preto velho conselheiro (Tio Barnabé) e uma preta quituteira (Tia Nastácia) que apesar de ser a cozinheira, até na hora de nomear uma marca famosa de farinha de trigo, perde o lugar para a patroa branca (Dona Benta).

Não vamos esquecer que para a TV, a coisa foi bem amenizada, quando é só a gente pesquisar um pouco da vida e obra de Monteiro Lobato e vemos que ele era um tremendo eugenista, daqueles que acreditam que o 'lugar' do negro é no serviço braçal e submisso e o do branco é nas esferas intelectuais. O típico racista que estereotipa o negro como o burro de carga e o branco como o 'raça pura' (da mistura de cavalo de raça com burro de carga é que nasce o jegue, ou o jumento, ou a mula... sim MU-LA-TO - argh, detesto esse termo).

Ma pera, Saga, e os gibis?

Bem, vamos tentar então na parte dos gibis... Bom, se a coisa não era boa na gringolândia, aqui tínhamos Maurício de Sousa Produções... Nhé... perdemos de novo, negada! Veja que a MSP só tinha dois personagens negros, o Jeremias (um personagem nunca valorizado a ponto de ser visto perto dos protagonistas) e o Pelezinho (criado única e exclusivamente por causa do Pelé, menos representativo para negros que um cone de trânsito). Na verdade, já abordei o assunto aqui, tem mais personagens verdes do que negros na Turma da Mônica.

E hoje, Saga?

Bem, hoje temos muitas referências, embora ainda seja pouco com protagonismo, afinal, de que adianta nos representar sendo o ajudante, igual aquele péssimo Percy Jackson, onde o negro é o guarda-costas não humano do branco semideus? Bem, alguns outros exemplos já estão aí e outros porvir, mas vou resumir tudo em duas palavras: PANTERA NEGRA.

O Pantera sendo o protagonista, rei de uma África que nunca foi colonizada pelo branco, que luta ao lado de mulheres igualmente poderosas e empoderadas e que defende seu povo e sua terra... Caras, isso sim é representatividade. Não é só pegar um ou dois negros e colocar ali no meio dos figurantes pra dizer que se importam. Aliás, o elenco todo é uns 98% negro e isso é inédito de várias maneiras.

Conclusão

Bem, hoje, eu não sei, porque tem muito celular, aplicativo e joguinhos desviando a atenção das crianças em suas brincadeiras, mas se fosse no meu tempo, isso seria uma revolução ainda maior, ser diretamente ligado a um herói poderoso e imponente em vez de caricaturas cômicas. Não ia ter palhaçada de 'você é o herói tal depois do banho de tinta', não! Eu ia ser o Pantera Negra, aquele que pode arrancar essa sua língua suja só por desrespeitar um dos meus. E isso é lindo.

Quer ver como esse filme é, no mínimo, diferenciado em termos de filme de herói, filme da Marvel, filme representativo? Olha a avaliação do Rotten Tomatoes, site de crítica famoso por mostrar a reação do público diante de um filme.


Perceberam? Quase 100% de aprovação. Nenhum outro filme, mesmo os hypados como Batman: O Cavaleiro das Trevas, não teve quase crítica negativa. Aliás, se quiser entrar lá pra ver o que os pouquíssimos críticos falaram, fique à vontade, vou logo adiantando que são críticas rasas sobre o roteiro priorizar a história e não as cenas de porrada ou até dizer que a história é irreal, porque África não é daquele jeito na realidade. Mas, você vai lá por própria conta e risco.

No mais, representatividade importa sim, com certeza não pro BBB e pra emissora que o sedia, afinal, eles não chegaram onde chegaram fortalecendo cada camada social e sim, enganando toda uma população já viciada a assistir sem questionar sua programação. Aliás, a palavra programação tem duplo sentido aqui, reparou? É igual quando falamos em colonização. Colonizar não lembra a vocês também algo de abusivo em relação à anatomia humana? COLONizar? Bom, deixa eu ir, porque já estou divagando demais.


Depois eu desenrolo essas divagações em mais textinhos. Rá!

2 comentários:

  1. Eu acho que a importância do Black Panther foi ser o primeiro filme da Marvel com um super-herói negro e que, esse tipo de filme pode ser visto por todo o público. O elenco nos dá uma amostra de todo o seu talento. Michael B. Jordan é um ator muito talentoso. Seus trabalhos sejam impecáveis e sempre conseguem transmitir todas as suas emoções. Ele fará um ótimo trabalho em seu novo projeto. Na minha opinião, Fahrenheit 451 será um dos mehores filmes de drama de este ano. O ritmo do livro é é bom e consegue nos prender desde o princípio. O filme vai superar minhas expectativas. Além, acho que a sua participação neste filme realmente vai ajudar ao desenvolvimento da história.

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  2. Eu acho isso uma FALSA REPRESENTATIVIDADE; uma ISCA, não só das grandes produtoras como também de toda a mídia, para apenas atrair mais público e continuar ganhando dinheiro. Porque, afinal de contas, o que é o filme Pantera Negra? Mais uma produção norte-americana sobre a África. Comparado com Tarzan, Pantera Negra evoluiu um pouco, já que não dá a entender que os habitantes da África sejam apenas selvagens que vivem em meio à floresta, de sunga, e precisam do amor de uma turista para se humanizarem. Essa ÍNFIMA REPRESENTATIVIDADE do Pantera Negra esconde o principal problema contra o qual o cinema africano vem lutando: a colonização. Os novos diretores não querem mais que a África seja REPRESENTADA no cinema pelos olhos dos que estão de fora, mas sim pelos olhos dos próprios africanos, que agora querem contar a sua versão da história. E o que faz os EUA? Alugam um grupo de atores afro-descendentes para estrelar um filme porque é ISSO o que o GRANDE PÚBLICO quer ver. E você acredita que eles vão cair no erro, depois de anos de experiência, de retratá-los como escravos ou animais selvagens? Quem veria um filme desses? Mas isso representa, ou ajuda o povo africano de alguma maneira? Não. Isso só faz prejudicar o CINEMA AFRICANO, que tenta ganhar espaço no cinema mundial a duros custos. Quantas pessoas assistiram ao Pantera Negra e elogiaram tanto a REPRESENTATIVIDADE do mesmo, mas que nunca assistiram à um filme africano? Quem dá bolas para o cinema africano quando se tem um cinema de "QUALIDADE" que faz isso por eles? Portanto, o mais sensato seria boicotar esse tipo de REPRESENTATIVIDADE tosca e começar a dar valor aos próprios representados, deixar que eles falem, que eles atuem, que eles filmem, etc... Caso contrário, vamos ter cenas como a desses atores do Pantera Negra, que se sentem orgulhosos de chegarem até o Oscar, um espaço da grande Indústria do Cinema que nunca reconhece outro cinema à não ser o que eles fazem, o que eles chamam de cinema.

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