O Brasil é um país de trajetória única no mundo. Em vez
de ter subdivididas as terras invadidas por Portugal, como aconteceu com os
demais países do continente americano conquistados pela Espanha, também foi
usado como mera mina de extração de riquezas e não como uma espécie de
sub-reino colonial (a princípio). E foi a única colônia a sediar uma côrte inteira (família real valente com preto e amarelaça pra outros europeus). Tanto que se você reparar bem, o “povo” daqui
é o único que não é chamado por sua origem de nascença, e sim de uma forma que
é resquício da primeira função das terras brasilis. Vou explicar: Enquanto um
cara nascido no Uruguai é um uruguaio, mostrando que ele é parte orgânica
daquele território ou na Venezuela, é venezuelano, dando a mesma ideia, de forma um pouco
diferente, as pessoas nascidas aqui recebem o gentílico da função que tinham os
portugueses que vinham aqui
roubar explorar as terras
invadidas
colonizadas: Brasileiro.
Pode reparar, o sufixo ‘eiro’ não dá a ideia de alguém que
nasceu em algum lugar, dá a ideia do que essa pessoa exerce na vida. Se eu sou
aquariano, é porque nasci sob o signo de aquário (mesmo quem não acredita
nisso, apenas acompanhe o raciocínio), Superman é kriptoniano, se fosse
na França, francês e etc... Pescou que quem nasce é “ano”, “ês” e algumas
variações que têm sempre em mais de um país, mais de uma situação, de acordo
com a origem do gentílico, como “enho” (hondurenho), “ense” (canadense) e
outros (austríaco, marroquino), mas todos presentes em mais de um país, ou
lugar em geral. Brasileiro não é gentílico de quem nasce em algum lugar. É
atribuição, como madeireiro, carpinteiro, ferreiro, ou ainda, a ideia de algo
transitório, como estrangeiro, passageiro, saca? Mas vou falar sobre gentílicos
em outra hora. Veja dentro do próprio país, tem o paraibano, o alagoano, o rio grandense (do sul e do norte) e tem o mineiro. Sacou a diferença? Parece que quem nasce em Minas Gerais, assim como no Brasil, recebe uma profissão e não um nome. E compare que Brasil é a abreviação de Terra do Pau-Brasil, assim como Minas Gerais já diz que o lugar não é uma estadia e sim, um posto de trabalho. Tá compreendendo?
E falando em sufixo do gentílico ‘ano’, temos baiano, como
Bebeto. O baiano, o baianinho, com passagens marcantes por Flamengo, Vasco, La Coruña e Botafogo. Em
dupla com o carioca Romário (olha aí, Saga, carioca não é ‘ano’ nem ‘ês’ – mas é
‘ense’, de fluminense, do estado em que nasceu, rá!)... Voltando, Bebeto e
Romário já eram proeminentes estrelas na Copa de 1990, a primeira que me lembro
bem, mas não lembro de tudo. 3 anos depois, a dupla saiu da reserva da seleção
pra titulares absolutos e desde as eliminatórias (com direito à primeira
derrota da história para a Bolívia e a inovação de entrar de mãos dadas
mostrando garra e comprometimento) até a copa de 1994, eu vivi uma das melhores fases
da vida. Eu tinha 12 anos no momento que gritamos ‘é tetra’ com Galvão Bueno e
passei a ter gosto não só pelo futebol como pela bandeira brasileira. Ayrton
Senna tinha marcado aquele ano dois meses antes, com sua morte na pista e a
história estava sendo presenciada por
mim ali.
Eu me sentiria um grande patriota, talvez se fosse um
brasilês ou brasiliano, mas como brasileiro, eu percebi na mesma época que
gostar do país por causa de futebol não significava nada para a polícia. Eu, maior
menino criado por vó a leite com pêra e ovomaltino, quase fui levado por
policiais sei lá pra onde e nem imagino pra quê, no meio de uma multidão de
funkeiros que descia de um ônibus onde eu estava com meu pai, pronto a me levar
pra casa, depois de um dia dos pais maravilhoso com o lado paterno da minha família. Daquele fatídico momento “Will e Carlton abordados na estrada em Um
Maluco no Pedaço” até o grandioso e esforçado tetra, os hormônios adolescentes
falaram mais alto e só importava ser campeão. A primeira Copa que o Brasil
faturava desde o histórico tri em 1970. Que coisa grandiosa. Eu não achava uma
participação da seleção tão marcante desde a derrota pra Argentina em 1990, com
Maradona atraindo toda a marcação pra si e tocando pra um livre Caniggia
driblar Taffarel e tocar pro gol, eliminando a gente nas oitavas-de-final.
Daí pra frente, tivemos a ascensão de Ronaldo, Rivaldo,
Roberto Carlos e Cia nos jogos olímpicos de Atlanta (1996) e quando chegou em
1998, na copa da França, a seleção já tinha o histórico de grande potência de
novo, mas entrar de mãos dadas já era cafona, o que marcou mesmo aquela seleção
eram os milionários salários em clubes gringos e o marketing individual em
pontuais atletas, meros outdoors humanos dos patrocinadores. A seleção chegou popstar
na França e a gente lembra no que deu, né? Aquela fake news que a cada derrota
é atualizada com nomes do momento pra dizer que esse entregou, aquele se
revoltou e forçou uma expulsão, o outro que negociou o momento histórico pra
acalmar o país da vez que tivesse vencido o Brasil. E como muita gente adora
uma teoria da conspiração, outros gostam de um imediatismo sensacionalista e
tem os que só não conseguem acreditar quando perdem, esse texto ganhou fôlego
até 2014, no fatídico 7x1, porque ninguém queria acreditar que a seleção de
Neymarketing e Cia era tão vulnerável. Mas em 2018, não teve nada de mais, quem
mais fazia os poucos gols da seleção eram jogadores de defesa e até o ufanista
Galvão Bueno ficou mais pistola que aquele canário da zueira e fez desabafos,
puxões de orelha e protestos.
A questão é que eles levaram 20 anos pra se convencer de
que o Brasil é só uma seleção e a única adaptação que teve aos tempos foi o
marketing. Futebol mesmo não tem. Nem souberam voltar ao futebol moleque e nem
conseguem jogar direito como o europeu e seu ritmo mais cadenciado e dinâmico. Talvez
o Flamengo, desde 2019. Pior pros “meninos” de 30 anos que se envolvem mais com
orgias, escândalos fiscais e sexuais do que com a bola no pé. Em 1998 eu já
questionava se eu não era patriota, por ter dado mais atenção ao futebol
regional (Vasco campeão da Libertadores 1998 que o diga). Falei no Flamengo de
2019, porque o português Jorge Jesus trouxe uma linguagem diferente, que deu
tão certo que ele voltou pra zoropa e não deu em nada e o time que estruturou
está ganhando até hoje. E por falar em Brasil, Portugal, futebol e tals...
É por isso que eu não me considero patriota. O futebol
teve sua época muito massa, mas hoje, como em 1970, época em que Bolsonaro acha
que o Brasil era melhor (pra ele, talvez), o futebol deu um hiato de alienação
social e a internet veio pra evitar que aquele horror chamado ditadura se
repita. E é com essa visão, de que os que se dizem mais patriotas são os que
mais espancam e matam familiares, mais se envolvem em mutretas milionárias – e até
com assassinatos de político e amizades com milicianos – é que eu parafraseio
alguém que não lembro, mas li há algumas semanas: Para ser patriota, eu tenho
que, neste momento, odiar o meu país. Pensa bem, o Brasil foi construído pela
mão do negro que o português explorou e quando fingiu que libertou, fez de tudo
pra não ser incluído como cidadão. 500 anos depois, ainda somos massacrados em
todas as frentes físicas e mentais e eu tenho que amar essa liderança política?
Falta muita noção e reparação até eu pensar nisso.
Então, é isso, o futebol me enganou que eu podia ser
patriota, mas vem a vida real e mostra que patriota é só quem é beneficiado
pelo país. Eu to bem lá pra baixo dessa pirâmide. Ser patriota é esperar quando
essa onda de m... passar.