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quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Um mal dos séculos: Apropriação cultural


Anitta é o exemplo mais atual de apropriação. Para e pensa: Fez de tudo pra garantir uma aparência branquinha, afinou nariz, alisou cabelo, deixou a capa de funkeira pra se afirmar pop e quando está se tornando tudo que a mídia empurrar como bonito e limpinho, aí, quer abusar da sensualidade, dreads, lábios preenchidos e tudo mais? Qual a mensagem? Que ser negra ou afrodescendente não, mas que pode pegar o que for conveniente pra criar uma imagem pré-fabricada.
Quando uma cultura pertence a um grupo representado nas classes trabalhadoras e mais pobres, é normal a sociedade e a própria mídia desprezá-la e até dizer que nem cultura é, ou que é um mal da sociedade. Quantos não falaram e ainda falam que funk é coisa de animal, que é coisa de favelado e de bandido? Aí, de uns anos pra cá, algumas pessoas que nem oriundas dessa cultura são, resolvem dar um gás na comercialização dessa cultura na forma de produtos (artistas e músicas), não porque se renderam ao ritmo, mas porque viram cifrões sobre as cabeças dessas pessoas, e, nada melhor que escolher essas pessoas. Daí aparecem funkeiros brancos, ricos, classe média, do tipo que nunca entraram num baile funk de verdade. O tipo do funkeiro que pode ser adestrado e comandado por eles, sem risco de querer ser autêntico demais e não moldado conforme o mercado. São de ocasião. Isso é apropriação cultural.

Não é porque vivemos numa democracia e que todos têm a liberdade de gostar do que quiserem que o roubo intelectual, moral e comercial não aconteceu. Visto que muito funkeiro aí passa fome enquanto uma meia dúzia é tida como diva, como herói e popstar. É por isso que não se engole essas festas favoritas da vida como legítima manifestação popular. É como você querer o que o pobre tem pra ganhar dinheiro em cima disso, mas sem que o pobre usufrua do lucro que sua própria cultura tem a oferecer.


Aí, contratam esses figurantes de luxo pra vender, massificam a mídia com informações inúteis sobre essas pseudo-estrelas e - ZAZ - nasceu seu produto na pratelheira. Antes do pagode e do funk serem experimentados na mídia, ninguém dava a mínima, era coisa de preto, pobre, gente sem cultura e outras barbaridades... mas quando se tira da mão do pobre e coloca na mão (UIA!) do classe média/alta, filho do diretor, filha da madame, aí, eles tratam a pão-de-ló. Repare nas novelas, por exemplo, quando o foco é a favela... o protagonista é o branco e o preto é o amigo fiel em 90% ou mais das produções. Veja os egípcios (continente africano) da novela bíblica, brancos pintados, diferente de quando os africanos retratados são escravos ou criminosos, aí é preto saindo até pelo telhado.

O problema todo, pra eles, é deixar o pobre subir, quando eles garantem seu protecionismo, aí, eles estão felizes e o pobre fica contente em achar que se vê representado, porque sua música toca na rádio e na balada, mesmo que não seja ele ganhando por aquilo. É assim que vemos essa 'festa na senzala' que é o funk ostentação, os Esquenta da vida e divas pop que nasceram outro dia mesmo, mas já têm panfletagem pra uma era inteira. Rapidamente o histórico de vida simples vira um dramalhão de pobreza e dificuldades (porque o povão adora uma história de superação pra se identificar por catarse).



Quem não sabe que Chuck Berry foi o criador do Rock 'N Rol,
mas, negro, viu seu 'cargo' ser usurpado pela mídia em prol do
branco Elvis Presley, para uma sociedade majoritariamente
branca, um rei ameno e controlável, do jeito que gostavam.
Desde a antiguidade que isso acontece. Não é? Vejamos o europeu roubando as terras e riquezas naturais do índio, do negro, isso, só no Brasil. Quantos não sobem morros pra aprender e depois ganhar dinheiro nas casas fechadas a alta sociedade? Não é roubo cultural? Apropriação? É sim! Não estão compartilhando a arte, estão se apropriando e ganhando com aquilo. Não é um movimento cultural, o pobre que originou aquela cultura não está sendo enaltecido, está sendo mencionado como fato histórico, mas não é o convidado na festinha onde seu esforço é imitado pelo rico que teve a condição de estudar aquilo até parecer com o autêntico. Se for convidado, o pobre deve ganhar o honroso cargo de garçon na festa do rico.

Egito na vida real é africano, na novela bíblica, é branco pintado
de amarelo. Tipo, negros não podem ser reis, só escravos?
E tudo piora quando o pobre é influenciado a achar que tem que ser rico e não a desprezar essa riqueza, porque, a bem da verdade, não faz diferença nenhuma em sua vida, ou não deveria fazer, ou ainda, não faria se o povo percebesse que é só dizer 'ei, ninguém mais vai te seguir, você é que precisa de nós e nós não queremos te servir'... mas sei que é uma utopia e que minha causa é meio que perdida... quem sabe antes do sol explodir e nos engolir a todos, ainda vemos alguma mudança... Até lá, só um bando de hipócritas dizendo que é liberdade e outro bando conformado em ser roubado, sonhando com o dia que vai ser adorado por quem os rouba. Cultura é a maior riqueza de um povo. Por isso fico injuriado.




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