Black is Beautiful (Negro é lindo) é um movimento iniciado
na década de 1960 nos EUAses a fim de afirmar a beleza dos traços
afrodescendentes. Sabemos que a sociedade é racista e que desde que o europeu
inventou de sequestrar e roubar pessoas negras da África pra Europa e Américas
que esse quadro permanece, perdão pelo trocadilho, negro. Sabendo que o racismo
assola o mundo, a referida campanha veio pra desconstruir aquele racismo
internalizado que subconscientemente diz que os traços negros não são lá tão
atraentes, bonitos ou simpáticos.
Pensa aí em quantas vezes até você mesmo que está lendo isso
não olhou um negro e um branco e automaticamente achou o branco mais atraente
sem motivo, aparentemente, nenhum. Pois é. O negro não é escolhido pra galã, no
máximo, um símbolo sexual relacionado quase que a uma libido selvagem e
insaciável. Mas beleza mesmo, aquela coisa pura, quase romântica, essa não é
pro negro nem lá nem aqui. E é por isso que o movimento Black is Beautiful
ganhou o mundo. Porque o negro precisava se afirmar como um ser humano e não
como uma caricatura, como naqueles desenhos em que o cara explode e de branco
fica com nítidas características afro, dando a entender que o negro é um branco
defeituoso, queimado, sujo ou pintado. O ser humano que deu errado.
Aí, aparece a tal da campanha de papel higiênico preto e eu
nem aí pra ela. Confesso que quase não assisto TV aberta – justamente por não
me ver representado na telinha – e tava fazendo igual a uma vaca pra esse
comercial (tá ligado, vaca, ela caga e anda – Rá!). O que me atentou pra essa
campanha, estrelada pela ruiva que virou fantasma naquela novela de 90 atores
brancos e só dois negros sem falas, foi o slogan: Black is Beautiful.
Confesso que antes de saber do slogan, eu nem tinha visto
racismo e não tinha entendido porque a atriz se disse tão arrependida, tentando
até já se desvencilhar da marca (claro, eu nunca acredito que é arrependimento
pela ofensa, mas sim por arriscar ficar com o filme queimado para a próxima
propaganda milionária). Aí, uma amiga (minha) me marcou numa publicação de uma
amiga (dela) em que a moça também não teria visto racismo ali, alegando que as
pessoas estão vendo racismo em tudo, que é vitimismo, mimimi e bobobó...
Pois é, mas vendo a campanha com o slogan, percebi como fui
distraído. Não é a cor do papel em si, é o próprio slogan. A frase tem um
contexto de forte luta por justiça social e racial e quando é usada como um
simples trocadilho, ela perde todo o significado. Esvazia o empoderamento do
negro. E, na boa, isso é como colocar o nome da sua mãe na sua cadela de
estimação. Soa forte, né? Soa agressivo, né? Você acha que melhora dizer pras
pessoas que nomeou um animal pra homenagear uma pessoa querida? É assim que eu
vejo.
Dê uma boa olhada na imagem que ilustra este texto. Dei um Google
pouco antes de iniciar estas palavras. Na seção imagens do Google, você joga a
frase e olha o que aparece. Sim, imagens relacionadas ao empoderamento da
auto-estima do negro. Mas aparecem uns resultados pingados de um papel higiênico
que, por uma questão de linguística, leva o mesmo adjetivo. Racismo não é só
quando alguém te xinga ou atira em você dizendo que é por sua cor. Racismo –
que não é só questão de opinião e se for, tadinhx – também é quando alguém usa
uma poderosa ferramenta de nossa luta por respeito e contra o racismo, pra
vender papel higiênico.
Sinto muito, Marina, mas a campanha é racista sim. Não é
agressiva, é cínica e desleixada. No mínimo o racismo ali foi por falta de
consideração com o próximo. Como quando você faz uma piada de gordo e ignora
que algumas pessoas na roda de conversa são gordas. Pode ter o atingido que não
vai ligar, como muitos negros Holiday se acham mais legais aturando racismo e
fingindo não ver, mas não é porque você releva um tapa que a porrada não aconteceu.
A frase Black is Beautiful foi um marco na luta por direitos civis nos EUAses e
já virou até nome de música por aqui.
Ou o erro foi por usar uma frase sem saber do real
significado social dela ou foi uma maldade bem mesquinha. Acontece. A gente é
passível de falar uma besteira por faltar informações importantes, vejo muita
gente fazendo isso com boatos de internet, principalmente sobre política. O
mais sensato é admitir, foi mal aê, vamos melhorar na próxima. Mas negar o
racismo é bizarro. É fechar os olhos e dizer que não está lá porque você desprezou.
Na minha opinião direta e sincera (não tenho outro jeito que
me interesse de ser) isso é, sim, uma provocação gratuita. Aliás, gratuita não,
barata e muito mais rentável pra quem faz. Pensa comigo, gafanhoto, às vésperas
do mês onde se localiza o dia da consciência negra, eles lançam um produto
remetendo à cultura negra, tipo a Dove fez há algumas semanas dando a entender
que depois do produto a mulher negra vira branca, como se fosse sujeira...
Dá burburinho, viraliza, militantes como eu, vão à internet
repudiar, se manifestar – e dar um pouquinho de ibope pra eles por tabela – e....
E... E aí, eles estão ganhando propaganda a baixo custo pra um produto que até mesmo
muito negro vai comprar. Eu estudei publicidade por um ano antes de ir pro
jornalismo e uma coisa é certa: Não se lança uma vírgula no mercado sem um
estudo minucioso sobre intenções de alcance de público, o tipo de público, o
custo que vai gerar, etc... Essa parte do marketing estabelece cada de talhe a
ser considerado pra que o produto seja vendido da melhor maneira. Aliás, o
produto não, a ideia do produto.
Por exemplo, não se vende um carro, você vende
conforto, segurança, sensação de poder e liberdade, sacou? E o que Personal
vende? Uma polemicazinha de graça pra propagar ainda mais seu produto
diferenciado. Não é um racismo direto, é uma alfinetada pra fazer barulho.
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