Era 14 de março de 2018 e eu me preparava para retomar
uma importante parte da minha vida, após alguns meses de licença do trabalho por um
braço quebrado à base de porrada por tipos suspeitos de linguajar diferenciado
da bandidagem “comum”, mas com os procedimentos bem característicos.
Era um mundo de emoções por inseguranças, anseios,
projeções, enfim, muita coisa rolando na mente esperando ansiosamente chegar o
dia seguinte, quando retomaria minha rotina (e valeu a pena aprender a não ter
mais pânico de sequer sair de casa). O braço ainda não esticava, na posição que
ficara pouco mais de um mês dentro do gesso, mas a vontade de voltar a tocar
meu cavaco era maior, então, mesmo sem força ou muita coordenação, arrisquei (veja abaixo, o vídeo que eu gravava no momento em que tudo ocorreu e a notícia se espalhou).
Toquei uma música minha referente à afirmação do cabelo
crespo natural e no mesmo momento passava o filme Ó Pai, Ó, que todos sabem, eu
amo! Então posicionei o celular me filmando com a TV ao fundo, porque achava
representativo demais falar de um traço da minha negritude enquanto passava um
filme situado em Salvador – BA e com negros protagonistas... Pois bem, gravei e
assim que passei para o PC, vi as notificações pipocando em vários grupos e a
notícia chocante era que tinham assassinado a vereadora Marielle Franco.
A minha mente, que ainda buscava entendimento para minhas
próprias vivências pessoais depois de um forte trauma, se viu em turbilhões
eternos por tentar concatenar que a tal vereadora era, não só uma política, era
amiga de amigos meus, uma pessoa com quem estive pouco tempo antes numa roda de
debates em tom de informalidade para falar sobre projetos e necessidades da
população carioca e negra, em geral. Era demais para mim.
Lembro que naquela noite, mais tarde, desabou um temporal
violento, ao que só me ocorria ser uma reação (sobre)natural a um evento tão
drástico quanto a execução brutal de uma mulher preta lésbica, de origem pobre
que finalmente desfrutava de alguma projeção para poder lutar pelos seus, pelos
nossos. Esse foi o erro dela e em momento algum me ocorreu a mínima chance de
não ter sido um crime encomendado.
Lembrei, na hora, dos versos do ilustríssimo compositor imperiano
Beto Sem Braço:
“ São Pedro abriu a porta e fez chover
Uma tromba d’água caiu
Pingos grossos
foram pêsames
Por um dos nossos que partiu
Derramaram tantas lágrimas
Foram tantas lágrimas
Muitas lágrimas
Daquela covardia que se viu “
(Música: Precipício, gravada originalmente por Jovelina
Pérola Negra)
Parecia inacreditável ter uma digna e valorosa
representante do povo socialmente mais vulnerável simplesmente retirada de nós dessa maneira estúpida,
mas o que vimos depois foi que sua voz foi amplificada por todos aqueles que
ela representava e inspirava admiração. Estamos aí, Marielle Presente e vamos levando.
Então, perguntamos de lá até sempre: ‘Quem matou Marielle Franco?’
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