quinta-feira, 20 de maio de 2021

Brasil: Como a Copa de 1994 me fez mais patriota que Bolsonaro

 


O Brasil é um país de trajetória única no mundo. Em vez de ter subdivididas as terras invadidas por Portugal, como aconteceu com os demais países do continente americano conquistados pela Espanha, também foi usado como mera mina de extração de riquezas e não como uma espécie de sub-reino colonial (a princípio). E foi a única colônia a sediar uma côrte inteira (família real valente com preto e amarelaça pra outros europeus). Tanto que se você reparar bem, o “povo” daqui é o único que não é chamado por sua origem de nascença, e sim de uma forma que é resquício da primeira função das terras brasilis. Vou explicar: Enquanto um cara nascido no Uruguai é um uruguaio, mostrando que ele é parte orgânica daquele território ou na Venezuela, é venezuelano, dando a mesma ideia, de forma um pouco diferente, as pessoas nascidas aqui recebem o gentílico da função que tinham os portugueses que vinham aqui roubar explorar as terras invadidas colonizadas: Brasileiro.

 

Pode reparar, o sufixo ‘eiro’ não dá a ideia de alguém que nasceu em algum lugar, dá a ideia do que essa pessoa exerce na vida. Se eu sou aquariano, é porque nasci sob o signo de aquário (mesmo quem não acredita nisso, apenas acompanhe o raciocínio), Superman é kriptoniano, se fosse na França, francês e etc... Pescou que quem nasce é “ano”, “ês” e algumas variações que têm sempre em mais de um país, mais de uma situação, de acordo com a origem do gentílico, como “enho” (hondurenho), “ense” (canadense) e outros (austríaco, marroquino), mas todos presentes em mais de um país, ou lugar em geral. Brasileiro não é gentílico de quem nasce em algum lugar. É atribuição, como madeireiro, carpinteiro, ferreiro, ou ainda, a ideia de algo transitório, como estrangeiro, passageiro, saca? Mas vou falar sobre gentílicos em outra hora. Veja dentro do próprio país, tem o paraibano, o alagoano, o rio grandense (do sul e do norte) e tem o mineiro. Sacou a diferença? Parece que quem nasce em Minas Gerais, assim como no Brasil, recebe uma profissão e não um nome. E compare que Brasil é a abreviação de Terra do Pau-Brasil, assim como Minas Gerais já diz que o lugar não é uma estadia e sim, um posto de trabalho. Tá compreendendo? 

 

E falando em sufixo do gentílico ‘ano’, temos baiano, como Bebeto. O baiano, o baianinho, com passagens marcantes  por Flamengo, Vasco, La Coruña e Botafogo. Em dupla com o carioca Romário (olha aí, Saga, carioca não é ‘ano’ nem ‘ês’ – mas é ‘ense’, de fluminense, do estado em que nasceu, rá!)... Voltando, Bebeto e Romário já eram proeminentes estrelas na Copa de 1990, a primeira que me lembro bem, mas não lembro de tudo. 3 anos depois, a dupla saiu da reserva da seleção pra titulares absolutos e desde as eliminatórias (com direito à primeira derrota da história para a Bolívia e a inovação de entrar de mãos dadas mostrando garra e comprometimento) até a copa de 1994, eu vivi uma das melhores fases da vida. Eu tinha 12 anos no momento que gritamos ‘é tetra’ com Galvão Bueno e passei a ter gosto não só pelo futebol como pela bandeira brasileira. Ayrton Senna tinha marcado aquele ano dois meses antes, com sua morte na pista e a história estava sendo presenciada por  mim ali.

 

Eu me sentiria um grande patriota, talvez se fosse um brasilês ou brasiliano, mas como brasileiro, eu percebi na mesma época que gostar do país por causa de futebol não significava nada para a polícia. Eu, maior menino criado por vó a leite com pêra e ovomaltino, quase fui levado por policiais sei lá pra onde e nem imagino pra quê, no meio de uma multidão de funkeiros que descia de um ônibus onde eu estava com meu pai, pronto a me levar pra casa, depois de um dia dos pais maravilhoso com o lado paterno da minha família. Daquele fatídico momento “Will e Carlton abordados na estrada em Um Maluco no Pedaço” até o grandioso e esforçado tetra, os hormônios adolescentes falaram mais alto e só importava ser campeão. A primeira Copa que o Brasil faturava desde o histórico tri em 1970. Que coisa grandiosa. Eu não achava uma participação da seleção tão marcante desde a derrota pra Argentina em 1990, com Maradona atraindo toda a marcação pra si e tocando pra um livre Caniggia driblar Taffarel e tocar pro gol, eliminando a gente nas oitavas-de-final.

 

Daí pra frente, tivemos a ascensão de Ronaldo, Rivaldo, Roberto Carlos e Cia nos jogos olímpicos de Atlanta (1996) e quando chegou em 1998, na copa da França, a seleção já tinha o histórico de grande potência de novo, mas entrar de mãos dadas já era cafona, o que marcou mesmo aquela seleção eram os milionários salários em clubes gringos e o marketing individual em pontuais atletas, meros outdoors humanos dos patrocinadores. A seleção chegou popstar na França e a gente lembra no que deu, né? Aquela fake news que a cada derrota é atualizada com nomes do momento pra dizer que esse entregou, aquele se revoltou e forçou uma expulsão, o outro que negociou o momento histórico pra acalmar o país da vez que tivesse vencido o Brasil. E como muita gente adora uma teoria da conspiração, outros gostam de um imediatismo sensacionalista e tem os que só não conseguem acreditar quando perdem, esse texto ganhou fôlego até 2014, no fatídico 7x1, porque ninguém queria acreditar que a seleção de Neymarketing e Cia era tão vulnerável. Mas em 2018, não teve nada de mais, quem mais fazia os poucos gols da seleção eram jogadores de defesa e até o ufanista Galvão Bueno ficou mais pistola que aquele canário da zueira e fez desabafos, puxões de orelha e protestos.

 

A questão é que eles levaram 20 anos pra se convencer de que o Brasil é só uma seleção e a única adaptação que teve aos tempos foi o marketing. Futebol mesmo não tem. Nem souberam voltar ao futebol moleque e nem conseguem jogar direito como o europeu e seu ritmo mais cadenciado e dinâmico. Talvez o Flamengo, desde 2019. Pior pros “meninos” de 30 anos que se envolvem mais com orgias, escândalos fiscais e sexuais do que com a bola no pé. Em 1998 eu já questionava se eu não era patriota, por ter dado mais atenção ao futebol regional (Vasco campeão da Libertadores 1998 que o diga). Falei no Flamengo de 2019, porque o português Jorge Jesus trouxe uma linguagem diferente, que deu tão certo que ele voltou pra zoropa e não deu em nada e o time que estruturou está ganhando até hoje. E por falar em Brasil, Portugal, futebol e tals...

 

É por isso que eu não me considero patriota. O futebol teve sua época muito massa, mas hoje, como em 1970, época em que Bolsonaro acha que o Brasil era melhor (pra ele, talvez), o futebol deu um hiato de alienação social e a internet veio pra evitar que aquele horror chamado ditadura se repita. E é com essa visão, de que os que se dizem mais patriotas são os que mais espancam e matam familiares, mais se envolvem em mutretas milionárias – e até com assassinatos de político e amizades com milicianos – é que eu parafraseio alguém que não lembro, mas li há algumas semanas: Para ser patriota, eu tenho que, neste momento, odiar o meu país. Pensa bem, o Brasil foi construído pela mão do negro que o português explorou e quando fingiu que libertou, fez de tudo pra não ser incluído como cidadão. 500 anos depois, ainda somos massacrados em todas as frentes físicas e mentais e eu tenho que amar essa liderança política? Falta muita noção e reparação até eu pensar nisso.

 

Então, é isso, o futebol me enganou que eu podia ser patriota, mas vem a vida real e mostra que patriota é só quem é beneficiado pelo país. Eu to bem lá pra baixo dessa pirâmide. Ser patriota é esperar quando essa onda de m... passar.

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