Crônicas, divagações e contestações sobre injustiças sociais, cultura pop, atualidades e eventuais velharias cult, enfim, tudo sobre a problemática contemporânea.

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sexta-feira, 7 de março de 2014

Você tem cara de suspeito, jovem negro


Certa feita, eu tinha por volta de 11 ou 12 anos, era um projeto de Sagatiba (que não bebia, friso, Saga é um estilo de vida, rá!) e voltava de um animado almoço de dia dos pais com... meu pai. Bem, preciso informar-lhes, antes, que meus pais são separados desde que eu era muito pequeno, então a rotina sempre foi a de revezar feriados, finais de semana e férias escolares na companhia de um dos dois (a guarda em geral, com mamãe Garcia). Aí, não antes ou depois de aí, meu pai e eu fizemos uma baldeação num ponto de ônibus em Coelho Neto, subúrbio aqui do Rio, para que eu fosse levado de volta à minha casa, na Pavuna (também no subúrbio, coisa de uns três bairros de distância).

 
A certa altura da espera por uma condução naquela noite de domingo, um ônibus com dezenas de jovens funkeiros parou por ali e a rapeize desceu em peso. No meio daquela mini multidão, me desgarrei de meu pai e não vi que ele se concentrava num possível coletivo para nós. Nisso, senti meus braços puxados, como se faz com crianças arteiras, e reparei que dois policiais me escoltavam - será? - para sei lá onde. Também, não quero nem pensar, pois meu pai percebeu minha ausência e voltou para argumentar com os caras. Com alguma desconfiança dos oficiais da lei, fui 'liberado' e voltamos para minha casa, onde meu pai - e herói, perdão pelo clichê - se despediu e retornou para sua casa.

Devo, também, acrescentar que sempre fui muito fã de Gabriel, O Pensador, sobretudo naquela fase de busca e desenvolvimento de personalidade, eu já admirava sua verborragia pertinente, coesa e inteligente. Por isso, eu costumava andar vestido naquele estilo, com destaque para casacos com capuz - que gosto até hoje. A encarnação geral, depois do susto e do aborrecimento, era o detalhe do casaco, 'suspeito' que teria justificado a 'confusão' dos 'polícia' a meu respeito, logo eu, que nunca tinha ido a UM baile funk à época. Mesmo assim, mesmo sendo um infanto nerd juvenil, eu despertei alguma espécie de 'ar suspeito' neles. A pergunta seria: Por quê?

Momento de sarcasmo da série, quando Will se apavora,
pois 'quando um branco vai pra cadeia, é porque ele aprontou
pra valer!'.
É quando me lembro daquela passagem da série Fresh Prince of Bel Air/Um Maluco no Pedaço, quando Will e Carlton ficam incumbidos de levar o carrão luxuoso do patrão do eterno e saudoso Tio Phil para uma casa de veraneio onde o pessoal do escritório de Phil passava um fim de semana de er... veraneio. A certa altura, os dois são abordados por policiais, Will, que era do subúrbio, já sabia todo o 'procedimento' adotado pelo policial, enquanto Carlton, criado num bairro nobre e milionário, acreditava estar diante de uma autoridade que lhe passava segurança. Resumo, chegaram a ser presos e, com tudo resolvido, Will se aborrece com Carlton pela inocência em achar que foram parados por dirigirem em baixa velocidade.

Ao perguntar a seu pai se qualquer um deles também pararia qualquer um dirigindo em baixa velocidade (e não por serem negros dirigindo um carro caro), Phil responde ao filho: "Filho, eu me pergunto isso desde a primeira vez em que fui parado". Ou seja, Phil, que antes de ser um bem sucedido advogado havia sido criado numa fazenda no sul dos EUAses, região que manteve a escravidão e o apartheid institucionalizado de forma mais radical, também já sabia, como diz a canção d'O Rappa: '(...) de geração em geração, todos no bairro já conhecem essa lição'. Carlton ficou pensativo e aquele foi um dos episódios que não terminava em risadas, abraços e uma música alegre. Ao contrário, terminava em silêncio, apenas com Carlton pensando alto 'eu pararia?'.

À esquerda, Dione, encontrado e preso por ser o verdadeiro suspeito do
crime pelo qual Vinícius Romão começou pagando.
Não é que todos os negros se pareçam por que são negros, o negro é visto como um tipo suspeito, o mais potencial bandido num grupo diverso. Não é confusão, é uma estrutura da sociedade desde a época da escravidão, quando um negro resistindo ao sistema era taxado de rebelde, bandido, fujão e encrenqueiro. Ainda hoje, lá no meu outro blog Raiz do Samba em Foco, me chamam de ativista, de racista inverso e outras baboseiras. Sentir na pele, poucos, eu duvido que tenham sentido o racismo, nas piadas, nos olhares, no modo como se afastam ou se agarram a seus pertences. Claro, sei que isso é só um subterfúgio pra negar o privilégio da branquitude, preferem igualar e simplificar a situação pra não admitir que sua meritocracia é baseada em nossos ombros.

Rolezinhos, revistas em ônibus que saem de regiões de comunidades suburbanas para a Zona Sul e Centro (do Rio), justiçamentos, tudo isso tem o racismo entranhado. Já disse, não é por que é negro, mas a cultura do senso comum te faz achar o preto o suspeito. Isso leva muito racista inoperante a achar que não o é, mas defende a 'causa' sem contestar. Mesmo com o Google aí, pessoas falam qualquer coisa sem o menor embasamento, ignoram que muitos de nós, negros, pra chegarmos a fazer esse tipo de denúncia, já passamos horas lendo, debatendo e assistindo a uma enorme gama de conteúdo artístico, cultural e acadêmico. Bem, agora só vou dizer uma coisinha a mais, pra arrematar e não te aborrecer com esse papo chato de racismo/fada (que só existe se você acreditar, Lua de Cristal que me faz sonhar...).


Após o ocorrido dos meus 11 ou 12 anos, ainda fui abordado várias vezes por policiais em ônibus, principalmente. O que acontece, é que numa dessas, eu já tava tão cansado de discutir com eles, fazer cara feia e dar respostas secas quando perguntado 'de onde vem', 'pra onde vai', 'qual a cor da sua cueca' e outras delongas, que questionei a um policial o porquê de só eu e mais dois ou três (os negros mais ‘evidentes’) sermos revistados, ali nas proximidades de Benfica, Mangueira e São Cristóvão. Pois o educado (sem aspas) policial me revelou que tinham ordens para chegarem em negros, homens e por volta de 17 a 25 anos. Estava esclarecido - ou enegrecido? - o motivo. Ou melhor, confirmado.

Por isso que eu ando dizendo, Vinícius Romão deu sorte, teve apoio em redes sociais. Onde vão parar todos os outros que a família dá entrevista dizendo que era trabalhador e a mídia só evidencia o histórico criminal inventado do jovem negro pobre? Onde eu estaria agora, se meu pai não demonstrasse em sua atitude que aqueles policiais NÃO eram meus donos? Claro que há muitos negros criminosos, mas não o são por serem negros, apenas porque são parte da maioria da população, daí a evidência de a maioria ser negra na criminalidade. É uma questão de razão e proporção.




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