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quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Escravidão por Cotas no Mercado Livre do Valongo

Achado para não ser esquecido
Em viagem ao Brasil, o pintor francês Jean Baptiste Debret (1768-1848)
criou a gravura acima: Um retrato do mercado de escravos do Valongo,
no Rio de Janeiro. O "Mercado Livre" da época.
Já há quase 130 desde o fim oficial da escravidão no Brasil, sistema que tinha por base a compra e venda de negros sequestrados e tratados como mercadoria da África para o Brasil. No antigo Cais do Valongo, Zona Portuária do Rio de Janeiro, onde tudo começou, pessoas negras eram compradas e vendidas livremente, ou melhor, comerciantes de gente traficavam livremente pessoas negras em regime de escravidão. De lá pra cá, o racismo deu certo, principalmente porque os que o exercem esconderam-no tão bem escondido que se convenceram de que isso é normal. Não se sentem opressores, ou, em último caso, beneficiários da opressão. Privilégios de uns e desvantagens de tantos é apenas um assunto aê, qualquer.

No caminho da luta por uma vida digna, entre tudo já conquistado, como Dia da Consciência Negra, leis antirracismo e ensino obrigatório da cultura africana nas escolas, está a lei de cotas. Visando uma acessibilidade à cidadania, ao ensino, ao emprego, que nunca veio naturalmente com a abolição da escravatura, as cotas têm por intento garantir a naturalização de convívio entre brancos e negros, ricos e pobres. Portanto, vamos parar de repassar esse mito de que cotas são um passe livre que trata o negro como incapaz, pois o cotista também vai ter que estudar pra passar, se manter e se formar numa faculdade pública, por exemplo. O resto é conversa de conservador racista que não quer reconhecer que a presença do negro e do pobre o incomoda – já que nunca reclamou das injustiças sociais e históricas que se perpetuam em suas mãos.

O tal anúncio do menino 'não racista'.
Aí, da escravidão centenariamente abolida e do mercado de escravos ainda mais antigamente abolido, vem o Mercado Livre – aquele mesmo, das vendas pela internet – e serve de palco para o anúncio de pessoas negras por um precinho camarada, só 1 real... CUMA?! Sim, não bastasse vender, tinha que anunciar pelo menor lance único, amigos. Investigação vai, investigação vem, rapidamente a Polícia Civil localizou e identificou o responsável: Um pequeno infante adolescente de 15 anos que, por motivos óbvios, não teve seu nome divulgado, então, vamos chama-lo de Cássio, igual ao participante do BBB14, cujo preconceito é ‘uma brincadeira’.
Nosso Cássio, morador da comunidade do Jacarezinho (sim, carioca, para me matar de orgulho) não passou na primeira fase do exame para o curso Técnico de Informática do Centro Federal de Educação Tecnológica (o popular CEFET) Celso Suckow da Fonseca. Segundo o anjinho, ele teria sido prejudicado pela adoção de cotas para estudantes negros, o que o revoltou e o impulsionou a publicar o anúncio de negros à venda num dos maiores portais de compra e venda do Brasil (não é jabá, é pra dar noção da gravidade e irresponsabilidade de ambas as partes).

A Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (belo começo de carreira, Cássio!) pegou o depoimento do jovem que confessou o crime e que ainda usou o e-mail da irmã – de 11 anos – para tanto. Depois de duas horas de depoimento, o menino foi liberado junto de sua mãe, uma professora de 43 e que jura que seu filho não é racista, porque não tem traços de agressividade (nem de intelecto também, pelo visto) e nem racismo em sua personalidade ou perfil de redes sociais (mãe do Cássio, não tem ou você não enxerga assim?). Também estava junto de seu avô, que o repreendeu por não haver negros aqui, apenas todos mestiços.

Resultado, por ser menor de idade, Cássio “apenas” foi enquadrado em ato infracional, artigo 20 da Lei 7.716, por ‘praticar induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional’. Cássio será encaminhado à Vara da Infância e da Juventude. Ele tinha esperanças de não ser identificado, argumento dele que fez com que a mãe não o levasse a uma delegacia apresenta-lo (em maio, merecerá um presentão, hein, mamãe!), mas a DRCI efetuou uma ronda virtual, com cruzamento de dados numa rede social. Segundo o delegado Gilson Perdigão, esse procedimento é mais trabalhoso, mas evita um rastreamento que dependa de ordem judicial.

A Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial divulgou uma nota elogiando a rápida ação da Polícia Civil e também cobrou providências do Mercado Livre, que depois de ser alertado por internautas, retirou o anúncio do ar. Aliás, parabéns ao site de vendas por filtrar tão bem seu conteúdo! Tenho certeza que, neste momento, tem alguém pensando "Purra, mas eu tentei anunciar meu cubo mágico seminovo de 1987 e falaram que feria as políticas de conduta do site e pessoas negras por puro despeito são anunciadas sem ninguém reparar antes de ir ao ar? NINGUÉM?! Bah, acho que deixaram só de onda.".

E no frigir dos ovos? Bem, notamos coisinhas bem interessantes no caso do jovem Cássio. Ele pode até não ser racista, mas acho mesmo é que sua família nem saiba disso por ter aprendido – e repassado – um preconceito naturalizado que nem eles notaram ter. Se morando no Jacarezinho alguém tem topete pra ser racista, então, outro mito cai também. A turma do “o problema é social e não racial”, pois teimam que preconceito é tudo igual e que um negro não poderia sofrer racismo de um branco pobre.

O "original", de onde tiramos o pseudônimo
de nosso adolescente rebelde.
Pequeno Cássio também mostrou como a sociedade generalista pensa as cotas, como um passe livre até a formatura para negros humilharem brancos com suas largas vantagens sociais e raciais. Geralmente, gente assim não sabe e tapa os ouvidos gritando “lálálá, não estou ouvindo”, ao menor sinal de informação coerente sobre o assunto. E, pra finalizar, Cássio, que até chorou de arrependimento, se disse arrependido, mas quem impede a mãe de apresenta-lo a uma delegacia por achar que não seria identificado, só pode ter se arrependido de ser pego e não de ter feito.


Em todo caso, “Cássio”, estudar é pra todos, não só pra você – que não passou – mas também pra estudantes cotistas. Cotas não são supressão de vagas ‘normais’, mas adição de vagas ‘negras/índias/pobres’, justamente porque o intento é a democratização do espaço e do serviço público. Essa lenda de que é um passe livre é papo de quem quer manter o preto e o pobre “em seu lugar”, nas periferias, guetos e marginalidade em geral. Mas, tenho forte intuição de que isso não importa, vale é achar um culpado e, na falta de um mordomo, porque não estamos no Reino Unido, o negro cai bem como alvo dessa fúria, afinal, na nossa sociedade é quem mais entende de açoite, né? 


#sqn 

Fonte: O Dia

sábado, 6 de julho de 2013

Cotas raciais: Não é assistencialismo, é justiça

Esse texto é uma reflexão interessante pra mim, pois, é algo que sempre friso quando tentam empurrar aquela ideia burguesa de que o pobre só o é porque foi preguiçoso pra estudar e trabalhar. Ou a ideia de que o negro não tem dificuldades a mais pela cor e herança cultural minada pela sociedade. Como se a escravidão e o racismo tivessem sumido em 1988 como num passe de mágica. Enfim, como se o fato de não haver escravidão declarada, nos moldes do que havia aqui estivesse ligado diretamente a uma condição natural de igualdade entre negros e brancos. Aliás, eu mesmo já fui contra cotas nesse mesmo blog há alguns anos, felizmente, eu tive capacidade e decência de me aprofundar no assunto tempos depois e hoje, anos mais tarde, eu faço uma retratação a mim mesmo, pois meu eu passado sofra de ignorância cultural histórica, sendo vítima do nosso sistema de educação que repassou os mesmos velhos moldes de conteúdo afim de manipular a mentalidade da população. Nem todos têm a capacidade de contestar suas antigas aulinhas de Moral e Cívica ou história. Ninguém pensa se o fato de ser papel, permite ao livro ter impresso qualquer coisa ali. Muitos não questionam a quase ausência do negro na história, apesar de termos sido trazidos à força aos milhões. Não, você aprende hoje que o preto é que tinha escravos, então os brancos só se aproveitaram disso. Você ignora que a igreja católica torturava e matava quem se ousesse à sua dominação e aprendeu a ser católico também... Enfim, estou divagando.

Por ter uma situação financeira razoável, achava que a coisa (racismo) não era tão ruim, mas ao iniciar meu projeto de monografia (que originou meu blog www.raizdosambaemfoco.wordpress.com) para a faculdade particular que eu cursava, vi que o resgate das cotas é cultural e histórico e não um assistencialismo barato. Não é um paliativo ou uma muleta social 

É tudo o que o governo/império deveria ter feito se a "abolição" fosse mesmo um ato humanista da bondosa coroa imperial e não uma convenção político-econômica, seguida de um golpe de estado, um ano depois - que chamamos solenemente de Proclamação da República. 

Simplesmente abriram as senzalas depois de não aguentarem as revoltas que eclodiam cada vez mais frequentemente pela liberdade e fingiram assinar um papel na boa, de proatividade. Só esqueceram de integrar o negro à sociedade. O negro deixou de ser escravizado, mas não foi feito cidadão. E, em muitos pontos, ainda não é. 

Preferiu-se trocar a escravidão por mão-de-obra assalariada imigrante, mas o negro foi empurrado para as margens da cidade, como um lixo a ser ignorado até que desaparecesse. Daí, nossa cultura de achar que somos todos mestiços, ignorando que mais da metade da população é negra, resultado da própria escravidão que trouxe tanta gente da África pra cá.

Aí, nos livros, o negro virou tudo de ruim, cabelo, nariz, cor, religião, música, folclore, mitologia, etc. Assim, a sociedade é (des)educada de forma massiva, assim, os mártires negros são ignorados e os poucos reconhecidos pelo grande público - Zumbi, por exemplo, se tornam maus, feios, chatos e bobos. Lembro-me que aprendi na escola sobre diversos nomes famosos daquele período, mas muitos eram negros ou mulatos e isso não era frisado. 



Ainda há a crença de que por sermos todos humano, não há racismo, que racismo é paranoia e egocentrismo de negro recalcado. Mas tudo bem, tem quem negue o holocausto durante a II Guerra, e tem quem discuta se existe mesmo miséria. É o tipo de pensamento medieval e reacionário de quem acha que deve manter tudo do jeito que está, como se o universo tivesse mesmo essa propriedade de desigualdades sociais. Como se quem reage contra esse sistema fascista de genocídio de pobre - ou pobricídio, como acabei de inventar - fosse rebelde sem causa e não um militante por um mundo melhor. É o tipo de pessoa que defende que na época da ditadura tudo era melhor, pois os gritos de gol pela seleção placebo social abafavam os gritos de dor dos torturados e os choros das famílias destruídas.


 Só estamos do jeito que estamos justamente por que a maioria acha que não precisa reagir. Aí, quer ir pra rua numa modinha micareteira sem nem saber do que reclamar, aliás, sabem sim, sabem reclamar que uma 'festa que tinha tudo pra ser bonita é estragada por meia dúzia de vândalos'. Algo está muito errado.

Ps.: Reparou na naturalidade da moça da foto? Notou que ela não é um ser de outro mundo e sim, um ser humanos que viveu pra servir outros condicionada a isso por ser negra? Vi essa e muitas outras fotos numa exposição no CCBB e me emocionei... Pessoas torturadas e escravizadas e, depois, abandonadas pelas ruas e favelas sem chances de ser cidadãs. As cotas são muito válidas sim, não são pra tirar a vaga do classe média, mas pra resgatar o que não foi oferecido por direito a seres humanos de um determinado grupo social. 

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