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quarta-feira, 4 de junho de 2014

Resenha: Uma História de Amor e Fúria (2013)


É a história de um homem de uns 600 anos que se vê às voltas com duas constantes em sua vida imortal. A primeira é Janaína, sua amada, que ele sempre reencontra em outras encarnações, e a outra é sua eterna luta por justiça. Sempre lutando do lado mais fraco, o protagonista iniciou como um índio tupinambá em 1566 e chegou a um distópico futuro onde uma dose de água vale mais que uma garrafa de scotch, e a segurança é feita por particulares milícias exterminando qualquer um que ameace o poder do grupo dominante... Pensando bem, não é tão futuro assim, né? Rá!

Enfim, voltando ao que interessa, o protagonista (que eu só chamo assim por ter tido diferentes nomes ao longo da história) nem passa formalmente por toda a famosa ‘jornada do herói’. Ele aprende desde o começo que é o escolhido e só hesita uma vez quanto a isso, e nem demora muito pra perceber que foi só um lapso. Janaína também tem seu valor histórico, pois se é certo que sempre se reencontrem, também o é que sempre estarão lutando juntos em nome dos desfavorecidos. “Meus heróis não viraram estátuas. Morreram lutando contra aqueles que viraram”. Essa é a declaração emblemática do protagonista e que todo mundo que almeja justiça social e conhece algo de sociologia e história, já percebeu, de saída.


A história é muito pontual, tem bastante ação, romance e uma boa dose de história reflexiva, tudo muito bem dosado de modo a não ficar piegas nem recortado. Você sabe exatamente o que o filme te diz e não precisa de didatismos. Fico imaginando como seria para alguém desligado da história perceber que alguns dos personagens mais sanguinários de nossa terra são homenageados como heróis pacificadores, como o próprio filme faz. Ele deixa só pro final de uma das sequências pra te avisar que um determinado herói de guerra tem seu nome gravado na história, nomeando cidades e, no entanto, fez isso em cima de uma montanha de cadáveres de pobres e flagelados pelo governo que ele defendeu.


O protagonista foi índio contra portugueses, esteve na balaiada e testemunhou o nascimento do cangaço, foi preso político na ditadura até chegar a uma posição de conforto na sociedade (momento em que pensa duas vezes sobre sua missão), mas lá está também Janaína e o destino deles é lutar lado a lado. É emocionante ver essa linha do tempo narrada pela visão de quem sempre perdeu a batalha. Dá outra perspectiva no sentido moral. Será que a maioria defenderia tanto assim o sistema se soubesse que não passa de gado para a classe dominante? Será que os capitães-do-mato de nossa sociedade tentariam ser aceitos como heróis da moralidade se soubessem que não passam de escravos domesticados? Acho que sim, mas a luta continua, muito tem a se fazer até que nossa sociedade seja realmente consciente do mundo à sua volta.


Sendo assim, eu mais que recomendo Uma História deAmor e Fúria, como entretenimento, filme de ação e...er... amor e fúria (dahhh!!!) e também como um tostãozinho de lição história pelo ponto de vista contestatório. Se você é leitor da Veja ou tem uma foto do Bolsonaro no seu criado-mudo, passe longe, você não vai querer saber mais do que ‘Brasil é campeão’ em nossa sociedade. Mas se você tem um cérebro atento e gosta de pensar, vá e não tenha medo. Eu, na verdade, fiquei até com a sensação de que uma hora e quinze foram muito pouco. Tinha que virar série regular, fazer uma HQ, continuação, vídeo game, sei lá... Foi uma grata surpresa ver o cinema nacional produzir algo de tão bom gosto, bem feito e ainda com um conteúdo histórico e reflexivo sobre nossa sociedade.



sábado, 6 de julho de 2013

Cotas raciais: Não é assistencialismo, é justiça

Esse texto é uma reflexão interessante pra mim, pois, é algo que sempre friso quando tentam empurrar aquela ideia burguesa de que o pobre só o é porque foi preguiçoso pra estudar e trabalhar. Ou a ideia de que o negro não tem dificuldades a mais pela cor e herança cultural minada pela sociedade. Como se a escravidão e o racismo tivessem sumido em 1988 como num passe de mágica. Enfim, como se o fato de não haver escravidão declarada, nos moldes do que havia aqui estivesse ligado diretamente a uma condição natural de igualdade entre negros e brancos. Aliás, eu mesmo já fui contra cotas nesse mesmo blog há alguns anos, felizmente, eu tive capacidade e decência de me aprofundar no assunto tempos depois e hoje, anos mais tarde, eu faço uma retratação a mim mesmo, pois meu eu passado sofra de ignorância cultural histórica, sendo vítima do nosso sistema de educação que repassou os mesmos velhos moldes de conteúdo afim de manipular a mentalidade da população. Nem todos têm a capacidade de contestar suas antigas aulinhas de Moral e Cívica ou história. Ninguém pensa se o fato de ser papel, permite ao livro ter impresso qualquer coisa ali. Muitos não questionam a quase ausência do negro na história, apesar de termos sido trazidos à força aos milhões. Não, você aprende hoje que o preto é que tinha escravos, então os brancos só se aproveitaram disso. Você ignora que a igreja católica torturava e matava quem se ousesse à sua dominação e aprendeu a ser católico também... Enfim, estou divagando.

Por ter uma situação financeira razoável, achava que a coisa (racismo) não era tão ruim, mas ao iniciar meu projeto de monografia (que originou meu blog www.raizdosambaemfoco.wordpress.com) para a faculdade particular que eu cursava, vi que o resgate das cotas é cultural e histórico e não um assistencialismo barato. Não é um paliativo ou uma muleta social 

É tudo o que o governo/império deveria ter feito se a "abolição" fosse mesmo um ato humanista da bondosa coroa imperial e não uma convenção político-econômica, seguida de um golpe de estado, um ano depois - que chamamos solenemente de Proclamação da República. 

Simplesmente abriram as senzalas depois de não aguentarem as revoltas que eclodiam cada vez mais frequentemente pela liberdade e fingiram assinar um papel na boa, de proatividade. Só esqueceram de integrar o negro à sociedade. O negro deixou de ser escravizado, mas não foi feito cidadão. E, em muitos pontos, ainda não é. 

Preferiu-se trocar a escravidão por mão-de-obra assalariada imigrante, mas o negro foi empurrado para as margens da cidade, como um lixo a ser ignorado até que desaparecesse. Daí, nossa cultura de achar que somos todos mestiços, ignorando que mais da metade da população é negra, resultado da própria escravidão que trouxe tanta gente da África pra cá.

Aí, nos livros, o negro virou tudo de ruim, cabelo, nariz, cor, religião, música, folclore, mitologia, etc. Assim, a sociedade é (des)educada de forma massiva, assim, os mártires negros são ignorados e os poucos reconhecidos pelo grande público - Zumbi, por exemplo, se tornam maus, feios, chatos e bobos. Lembro-me que aprendi na escola sobre diversos nomes famosos daquele período, mas muitos eram negros ou mulatos e isso não era frisado. 



Ainda há a crença de que por sermos todos humano, não há racismo, que racismo é paranoia e egocentrismo de negro recalcado. Mas tudo bem, tem quem negue o holocausto durante a II Guerra, e tem quem discuta se existe mesmo miséria. É o tipo de pensamento medieval e reacionário de quem acha que deve manter tudo do jeito que está, como se o universo tivesse mesmo essa propriedade de desigualdades sociais. Como se quem reage contra esse sistema fascista de genocídio de pobre - ou pobricídio, como acabei de inventar - fosse rebelde sem causa e não um militante por um mundo melhor. É o tipo de pessoa que defende que na época da ditadura tudo era melhor, pois os gritos de gol pela seleção placebo social abafavam os gritos de dor dos torturados e os choros das famílias destruídas.


 Só estamos do jeito que estamos justamente por que a maioria acha que não precisa reagir. Aí, quer ir pra rua numa modinha micareteira sem nem saber do que reclamar, aliás, sabem sim, sabem reclamar que uma 'festa que tinha tudo pra ser bonita é estragada por meia dúzia de vândalos'. Algo está muito errado.

Ps.: Reparou na naturalidade da moça da foto? Notou que ela não é um ser de outro mundo e sim, um ser humanos que viveu pra servir outros condicionada a isso por ser negra? Vi essa e muitas outras fotos numa exposição no CCBB e me emocionei... Pessoas torturadas e escravizadas e, depois, abandonadas pelas ruas e favelas sem chances de ser cidadãs. As cotas são muito válidas sim, não são pra tirar a vaga do classe média, mas pra resgatar o que não foi oferecido por direito a seres humanos de um determinado grupo social. 

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