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terça-feira, 2 de setembro de 2014

Carta aberta a Wanderley Luxemburgo

Caro Wanderley,

O senhor afirmou não ter visto racismo nos gritos histéricos (ma-ca-co) de Patrícia contra Aranha. Disse que foi mais um ato no calor da emoção, o time dela perdia e saiu, ou coisa que o valha (Pra variar as Organizações 'não-somos-racistas' Globo descolaram mais um apoio de argumentos pouco relevantes no apoio à Patricinha racistinha).

Disse o senhor, ao jornal O Globo: — "Aquela menina deve ter amigos negros, com quem convive. Eu olhei a forma forte como ela falou macaco, será que ela não tem amigo preto? Colocam como racismo no futebol uma coisa que é totalmente diferente. Aquilo nada mais é do que a ira momentânea, provocada pela rivalidade no futebol, que faz a pessoa ultrapassar o limite da educação. É falta de educação, não racismo."

Primeiro, professor, racismo é uma tremenda falta de educação. Se aquela menina tem amigos negros e ofende um negro de fora do grupo como 'macaco', ou ela é maluca, ou eles o são. Não é a sanidade deles que discuto aqui, é sua autoridade no assunto, tendo já levado processo por ter 'brincado' de chamar um jogador de 'picolé de asfalto'. Só nessa, já entendo pra que lado sua autoridade no assunto pende. Se pra você futebol e sociedade se separam como Terra e Marte, então o maluco sou eu e quando dizem 'o problema é social', significa que na verdade não há problema, pois, não é racismo porque é dentro do futebol, não vai ser racismo quando for na quadra da escola de samba, não vai ser racismo porque vai ser dentro da escola, dentro da TV, dentro de sei lá mais o quê.

O senhor acha que racismo é apenas o ato de excluir o negro proibindo-lhe a presença e o acesso a um determinado ambiente? Olhe bem para a Tv, Wan, vê quantos negros você vê lá entre as arquibancadas e o gramado, quando passa uma partida de futebol. Ali tem exclusão, é racismo? Duvido que você diria, neste exemplo, pois, você vai se esgueirar para outro nível do racismo velado: A busca por atos extremos. Poderá dizer que não é racismo porque não teve xingamento. E se tiver, não vai admitir, porque não teve exclusão, xingamento e agressão, e depois vai renegar porque não teve xingamento, exclusão, agressão e um cartaz de anúncio de ato racista (além de amigos ou parentes negros, lembrando, se tiver negros por perto, não é racismo, né?)... No fim das contas, vai dizer que o negro é que vê racismo em tudo e se faz de vítima pra justificar seus fracassos sociais. Menos no futebol.

Voltando, então, pro senhor, foi um ato de impulso? Como na raiva, como no porre? Você sabe que atos impulsivos de gente raivosa ou bêbada, são atos que estavam escondidos pela camada da postura social, não é? São coisas que saem ao menor sinal de descontrole porque estavam lá o tempo todo. Muita coisa pode ser atribuída a um gesto isolado de emoção desvairada. Vamos ver o que mais é o tal do "calor da emoção"?

- Quando um jovem negro é hostilizado por ser negro e ter cara de 'suspeito';
- A prisão de um negro porque tinha cabelo black e andava na rua à noite, sem direito a telefonema, nem advogado (e nem visita do pai militar reformado, porque como um negro teria posição social de classe média, né?);
- Toda vez que o corpo negro cai no chão baleado e ganha um histórico criminal no mesmo segundo, pra que o ato emocionado do Estado seja apoiado pela sociedade do caos-espetáculo;
- Também é no calor da emoção que mulheres negras são relegadas à cozinha e à cama, onde podem ser atacadas por algozes sexuais de forma a liberar seus instintos e ainda manterem sua postura conservadora da sala de visitas pra lá;
- É calor da emoção, quando uma mãe de família favelada é baleada e arrastada pelas ruas do subúrbio, ato emotivo pra ocultar um ato policial escuso anterior;
- É calor das emoções quando você é perseguido e assassinado e tem a cena do crime modificada para incriminar o que estava limpo... Enfim, são tantas emoções, como diria o poeta.

Agora, se o racismo vira apenas um ato emocionado, além de ser vindo do coração do racista, Luxa, ainda demonstra o que a pessoa já sentia e só deixou escapar. Sinto muito, técnico de futebol de passado conturbado, mas afirmar que xingar um negro de macaco, porque está num estádio, é calor da emoção, então, isso só confirma o racismo e não o descarta.

É calor da emoção, é um jogo de futebol e vale tudo... vale tudo? Pra mim, quem defende racista, racista é. Está, na verdade, garantindo costas quentes na possibilidade de precisar do mesmo apoio no futuro, quando disser algo também 'no calor da emoção'. Torno a falar, se fosse calor da emoção, seria 'fdp', 'babaca', 'pereba', etc. Se não se xinga jogador branco de macaco, então sabemos muito bem pra onde essa emoção foi direcionada. Tive uma epifania: Eu não sabia que o Brasil era um país tão emocionado há tantos séculos.

Luxa, falar nunca foi seu forte, vai discutir com o Romário que você lembra disso rapidinho, tá? Por enquanto, deixa o assunto pra quem entende. Vai chutar sua bolinha aê, que seu dinheiro não vem da sua carreira como pesquisador sociológico. Deixa pra quem entende do assunto e sofre na pele o que pra você não importa (mas tá se metendo mesmo assim). Acabamos de passar por uma Copa cuja temática recorrente foi o combate ao racismo com faixas, cartazes, gritos, jogadores xingados e até personalidades midiáticas querendo aparecer comendo bananas e vendendo camisetas. Tudo isso foi só emoção? Acho que não.

E, Jornal O Globo, a opinião dele não 'foge ao senso comum', ela é uma opinião leiga qualquer, só que com seu alto-falante, pra ver se afrontam, mais uma vez, o movimento negro do Brasil. No mais, um sorriso negro, um abraço negro pra vocês.

Fernando Sagatiba

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Racismo amigo, racismo condescendente


2014 está sendo um ano muito positivo para debates sobre racismo. Diria até afirmativo. Teve o concurso da nova Globeleza – e seus desdobramentos -, teve o filme 12 Anos de Escravidão, Lupita Nyong’o eleita a mulher mais bonita pela revista People (e a avalanche de ‘foi pra cumprir cotas, mas eu não sou racista’), teve o equivalente a um jogo de futebol inteiro em evidência (jogadores, árbitro, etc) na questão de ofensas racistas, bananas, macacos, personalidades da mídia oportunistas tentando faturar e, mais recentemente, um casal “inter-racial” de jovens mineiros passando seu quinhão de racismo diário na internet, a Folha usando uma modelo negra (que você vai me dizer depois de que trabalho) para apoiar o racismo institucional contra cotas (explicar a ausência de negros em seu próprio veículo é o que ninguém lá faz), a Globo usando negros para defender uma jovem racista que, nitidamente, gritou ofensas para o goleiro Aranha (Santos F.C) e para o Brasil inteiro. Bem, é sobre esse final que eu quero falar no momento.


A jovem Patrícia, foragida até o momento que escrevo, gritou taxativamente ‘ma-ca-co’ (imagine a cena dramática e em câmera lenta apenas alguns minutos após o crime ser filmado no jogo entre Grêmio e Santos). Ela não gritou só para um atleta, gritou para o Brasil todo. Confirmou que o propblema do Brasil é social... RACISMO é um problema social e no âmbito institucional. Nada que surpreenda no país que seqüestrou e violentou negros por mais de 300 anos, sendo o último a largar do osso e por pressões internas e externas. Há quem diga que isso é um probleminha isolado, que o negro se faz de vítima. Mas, pra essa gente, eu nem dou papo (MENTIRA! Sempre faço comentários sobre). Mas o negócio dessa vez é a rapidez com que a Globo descolou amigos negros para Patrícia (porque, você sabe, quem tem amigos negros nunca poderia ser racista. #sqn). Uma rapidez que alerta para uma coisa: A naturalização do racismo por parte dos não negros e a internalização dessa aberração pelo próprio negro.

Amigos negros de Patrícia Moreira defendem e não crêem em racismo  (Foto: Diego Guichard)
Amigos de Patrícia acham que ela se deixou levar pela emoção do momento.

Veja bem, quando você considera alguém ‘amigo’, essa pessoa é branca e você negrx e, diante das ofensas proferidas por sua amiga branca a outros negros você não se ofende também, amizade, amigo é o C***. Essa pessoa está é sendo condescendente contigo. No melhor estilo Faustão, que foi se “justificar” por seu comentário ‘cabelo de vassoura de bruxa’ com um papinho besta ‘eu tenho funcionários negros, vamos mudar de assunto que tem coisa mais importante pra pensarmos’. Até aí, gente boa, qualquer senhor de engenho do século XVIII poderia dizer que não era racista, pois tratava seus escravos com a maior cordialidade, apenas punindo os errados. Faz sentido pra ti? Pra mim não, pois, é uma mentira tão retumbante quando ‘aguarde o contato que a gente te liga, mesmo que seja feedback negativo’. Mas, voltando aos amigos de Patrícia, eles foram arrumadinhos pra defenderem alguém que fugiu. Se excluiu perfis da internet e escafedeu-se, lindxs, não tá tão certa assim de sua inocência.

Segundo Faustão, seu racismo se justifica porque vários negros trabalham "com" ele. Eu vejo umas três pessoas em frente às câmeras só. Sacou o "com"?

Mas isso acontece muito. Você é ‘tolerado’ por alguém, mas quando alguém com os mesmos traços seus o incomoda, aí ela fala tudo aquilo que você ouve dos outros, dos não amigos. Tipo você dizer que tem amigos gordos e os respeita. Mas se um gordo de fora do círculo te incomoda, você grita impropérios justamente sobre a forma física da pessoa. Deixa eu explicar a diferença: Se a pessoa te respeitasse pelo que você é, ao brigar com alguém parecido contigo nessa característica, ela não ia usar esse ponto como arma. Ela nem teria esse pensamento. Se usou isso, usou porque usaria contra você também, mas, provavelmente, no caso de Patrícia, tudo isso pode ter sido usado contra seus “amigos”, tendo sido abafado como ‘piada’, ou como aquela desculpa esfarrapada do racista: Ele usa o racismo pra parecer descolado e desapegado da idéia, mas está destilando de modo a você sofrê-lo e ainda agradecê-lo. “Pô, fulano é muito desencanado com racismo, a gente vive rindo com suas piadas”.



A genialidade do racismo está nisso, nele ser folcloricamente conhecido como ‘velado’ e estar escancarado. O melhor disfarce é estar na vista de todos. Quem desconfiaria que um crime pesado desses teria essa cara de pau? Pois é, aqui tem. Patrícia virou vítima, coitadinha, foi ameaçada, talvez tenha sido um mal entendido. Lembro-me de uma passagem pessoal. Estava em Cabo Frio com uma tchurminha da pesada aprontando as maiores confusões no maior clima de azaração quando, numa ida ao mercado, estávamos em 2 ou 3 carros e um colega do carro de trás buzinou. Fiz um gesto, como quem diz ‘passa por cima se está com pressa’ e ele se projetou pela janela do carona gritando “sai daê, macaco!”. Não tive reação, depois não lembro se chamei ele pra porrada, mas o fato é que, enquanto classe média, o racismo aparece de forma mais sutil do que se eu fosse mais rodado àquela altura – com uns 19 anos. Nessa, ninguém NINGUÉM falou nada. Nem um ‘para de falar m...’. Nada, ninguém tomou partido do único preto do grupo (o outro preto do grupo não se assumia muito como tal por ter mãe branca, não sei como está hoje aquela cabeça).

Percebe como o Faustão e cia não são racistas, porque têm negros a sua volta? é assim que 'não somos racistas' na mente deles.

Assim como Patrícia, aquele indivíduo não foi questionado por ninguém. Se eu fizesse questão, provavelmente iriam defendê-lo como um incompreendido. Mas, a questão é simples: Se ele quis responder uma zoação à altura, porque não me xingou de babaca? Porque sua primeira reação foi me ofender em minha negritude? Se me chamasse de ‘viado’, seria homofobia? Será que respostas assim, no calor da emoção representam o legítimo racismo? Eu respondo no próximo bloco parágrafo.   

Olhe, o rapazote não me xingou de babaca, porque, na cabeça dele e de muita, mas muita, gente no Brasil, ser negro é ter um alvo certo de ofensa. Não foi um xingamento aleatório, ele quis usar isso, quem sabe, já não tinha pensado isso em outras oportunidades, apenas não tornando público. Tanto é que, meu questionamento sobre a palavra ‘viado’ não foi à toa. Se a questão fosse envolvendo sexualidade, seria um xingamento homofóbico sim, mas como eu não sou, caso chamasse, não seria homofobia. Do mesmo jeito que bater num homem chamando ele de ‘mulherzinha’ não vai enquadrar ninguém na Lei Maria da Penha, sacou? Pode ter sido no calor das emoções que o dito cujo tenha me respondido um deboche com racismo, pode ser que Patrícia tenha apenas se exaltado, mas... e daí? Quero mais que pague pelo crime que cometeu. Esse é o segredo da longevidade do racismo, essa vontade louca de negá-lo, de distorcê-lo até se tornar banal. Quem vive na pele sabe e, quando se conscientiza disso, não tem falsa amizade que sobreviva. Raiva e porre podem deixar você exaltado, mas o que é dito na raiva e no cachaçal foi pensado sóbrio e na hora da calma com certeza. Eu tenho amigos gays, gordxs, caucasianxs, evangélicxs, etc. Pode ter certeza, que, numa discussão, a única coisa que eu não faço é usar o traço que nos difere como ofensa, nem dentro, nem fora do meu grupo social. Justamente por que sei o que é ser ofendido em algo que é parte de sua identidade e, quando vivo isso, não é nada legal. E se um amigo meu ofende um negro de fora da galera por ele ser negro, aaah, não precisa nem olhar mais na minha direção e acharia muito justo que alguém me excluísse do convívio se eu demonstrasse tamanha contradição.

Nego, estão botando tudo em você e você tá achando normal. Quando abrir a mente, vai ver o que está passando batido bem na sua cara.



Amizade não é dizer ‘ele é preto, mas é meu amigo’ e não é freqüentar folcloricamente os lugares comigo. Na verdade, antes de amizade, a humanidade está em se respeitar o próximo. Quem garantiu a Patrícia que Aranha ia levar numa boa seus gritos histéricos? Se eu chamo um amigo de fdp, preciso ter certeza que nosso código de convívio social permite a certeza de que é só uma brincadeira, do contrário ele se invoca comigo por eu ter xingado sua mãe e aí? Vou ficar remediando que foi só um lapso? Não, amigos de Patrícia, ela não é sua amiga se anda com vocês e mantém guardado um arsenal de xingamentos por sua etnia predominante. Vão defender alguém mais defensável, tipo Coração Gelado ou Doutor Gori.

Doutor Gori explica a Spectreman que seu objetivo era acabar com a humanidade... para salvar a natureza. Muito mais fácil de defender uma jovem emocionada que se torna racista apenas durante 90 minutos.
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