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sexta-feira, 18 de outubro de 2019
Young Sheldon e a contradição com The Big Bang Theory
The Big Bang Theory (a partir daqui, TBBT) ainda estava no ar com seus roteiros preguiçosos, personagens desleixados e atuações no piloto automático quando estreou Young Sheldon (a partir daqui, YS). YS tem a premissa de ser o 'episódio 1' da vida do personagem que mais se destacou em TBBT. Um spin-off (série derivada de outra), um 'Sheldon begins', se preferir... enfim...
Ela, pelo que Sheldon descreve ao longo de TBBT, seria quase um 'Todo Mundo Odeia o Sheldon', pelo modo sarcástico com que lembra de passagens de sua infância, mas não é bem o que parece quando assistimos à produção. Veja bem, vou separar aqui algumas falas e situações narradas por Sheldon pra ver se bate, ok? Ah, é necessário que você tenha algum conhecimento prévio das duas séries pra entender melhor o que vou falar. Se não conheces, pode ir lá que eu espero.
O pai
Vamos começar pela maior mudança entre uma série e outra. Não ligo que o mesmo ator que interpreta George Cooper tenha participado de TBBT como um antigo bully de Leonard porque atores interpretam, logo, estamos vendo a cara do cara, mas poderia ser qualquer um, é apenas uma personagem, uma personificação, não a realidade, ok? Já estava doido pra falar isso desde que surgiram as teorias - piadas, na minha opinião - de que o pai do Sheldon perseguia seu melhor amigo. Sheldon reconheceria o próprio pai e não teria a mesma idade que ele, mas estou divagando...
A questão é que Sheldon já falou que seu pai era um bêbado, fã de esportes, preguiçoso, sem educação e grosseiro e que vivia em pé de guerra com a esposa (mãe do protagonista). Discurso reforçado pela própria Mamãe Cooper em várias ocasiões onde dizia que seu marido não era lá grandes coisas na vida e na família. Mas o que vemos em YS é que George Cooper é um pai amoroso e atencioso. Tem lá sua predileção pelo primogênito, por também ser fã de esporte, mas tenta lidar sempre da melhor maneira com seu filho gênio precoce e até procura meios de entende-lo. Bem diferente do brucutu que o forçava a assistir football caçoando de sua natureza mais intelectual ou mesmo debochando de seu nome, sugerindo que esta foi uma escolha da mãe.
A mãe
A mãe é a primeira que notamos a diferença. Ou o furo de roteiro também a afetou, como uma eleição presidencial vencida por fake news, ou, no mínimo, o tempo a transformou em uma versão amarga dela mesma. Até que não seria uma explicação ruim, faz até sentido, na verdade, hein. Mas, convenhamos, se os roteiristas não se preocupam em lembrar que Penny no começo era de Omaha e depois de Nebraska ou que Sheldon tinha alergia a gatos e logo depois coleciona bichanos pra suprir a falta da namorada... bem... não foi o caso, certamente.
A Dona Cooper, interpretada, em YS, pela filha da atriz que a interpreta em TBBT (laços de família), é uma fanática religiosa, de discurso bem direto, meio grosseira de tão sincerona, mas ainda assim, uma mãe cuidadosa. Ela meio que serve ao estereótipo de quem nasce e cresce em regiões interioranas, conservadoras de cultura e religião. Mas em YS, ela é bem mais delicada, fiel à sua igreja, mas longe da beata que usa religião pra destilar preconceitos. O que aconteceu com você, Mary?
A Vovó
Aqui existe outra contradição, mas ao contrário. Ao passo que as pessoas cruéis descritas em TBBT, ganham versões 'reais' mais amenas, a avó de Sheldon passa pelo efeito inverso. A avó, sempre descrita como aquela avó de comercial de margarina, em TBBT, na série derivada, ela tenta ensinar Sheldon a jogar, dá conselhos e é uma versão um tanto quanto mais 'malandra' da própria mãe do protagonista. Nada daquela situação de mimar seu 'torta de lua'.
George Jr e Missy
Os irmãos também não correspondem. Sim, eles zombam de Sheldon, mas nem são tão cruéis e nem burros como uma porta, como a mãe descreveu em um episódio de TBBT. O irmão mais velho não o persegue com brincadeiras cruéis, servindo até como conselheiro, vez por outra e a irmã gêmea, na verdade, já foi até manipulada em um 'experimento' onde o pequeno cientista quer testar uma teoria usando-a como cobaia.
Conclusão
Acho que Sheldon é um babaca em quaisquer versões que forem apresentadas. Se lembrarmos daquela temporada de TBBT emque ele se preparava pra casar com Amy, ele só aceitou a imposição da mãe de convidar seu irmão por esta não poder ir, pra alguém representar a família. Ele narrou algumas crueldades do irmão que Leonard descobre não ser verdade. Ficando claro que Sheldon é que abandonou a família quando saiu de casa para estudar e trabalhar e nunca mais voltou, deixando a mãe e a irmã para que o irmão mais velho cuidasse após a morte precoce do pai. Até na escola, em YS, o menino é um mala que trata a todos com a mesma petulância antissocial da série-mãe. E mesmo assim, não aparece sendo agredido ou perseguido. E se fosse, até que justificaria algum adolescente faze-lo, não por ser certo, mas por ser um comportamento típico de adolescente em retaliação.
Se repararmos na construção do personagem - e que, no sentido da arrogância, foi basicamente o mesmo, sem evoluções, do começo ao fim - podemos concluir que Sheldon não gosta da própria família e que seus amigos só o aturam por forçação de barra do roteiro. Leonard aceitar, faz sentido, pois é um bocó que aprendeu a seguir ordens de quem não tem muito amor por ele - vide seu relacionamento com sua própria mã e depois com Penny. Já foi dito que Howard e Raj só estavam ali por serem amigos de Leonard e as namoradas vieram a reboque.
Mas nada justificaria o tanto de piadas e zombarias que os amigos fazem se não o odiassem de verdade. Na verdade, é exatamente isso que me passa, uma relação de amizade tóxica em que uma parte não respeita a outra, mas todos são malas demais para se relacionarem com mais alguém, porque ninguém teria saco pra manter uma relação tão próxima. Aliás, TBBT é a mesma coisa que How I Met Your Mother e sua antecessora, Friends. Tudo um grupo de gente que se você conhecesse na vida real, manteria distância. Afinal, quem gosta de panelinhas além das pessoinhas que as formam?
Mas, voltando, ou Sheldon é cruel demais ao falar da família em TBBT ou ele amenizou seus traumas de infãncia em YS, pra não traumatizar que ouve suas histórias (sim, se você não assistiu ainda, ele narra em off, como Chris Rock em Everybody Hates Chris). Claro que as abordagens são diferentes para públicos diferentes. TBBT é mais pop, mais clichê - e mais sem graça também. Sério, tira as risadas e você vai ver que é só um grupo falando difícil com os mesmos trejeitos e com o mesmo timming. YS é mais família, tem uma montagem mais fluída, orgânica e te deixa perceber, mas escolher o que achar engraçado. Não é tão pastelão, mas tem lá seus próprios clichês, como a liçãozinha no final dos episódios e momentos fofura ao som de uma trilha sempre feliz.
No geral, Young Sheldon cria uma grande sensação de 'ele mentiu pra nós'. Não soa como a mesma história. Parece aquela pessoa que cada vez conta a história de uma forma e você não sabe bem qual versão é verdade, se é que tem uma versão verdadeira.
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terça-feira, 8 de janeiro de 2019
Sobre representatividade: "Ma, Saga, naquele tempo era assim..."
Há quase 10 anos que eu assisto TV fechada e tenho várias análises a respeito desse universo. Desde as mudanças socioculturais que influenciaram em seu conteúdo (como o tipo de programas, aumento na dublagem, visando o público 'Classe C emergente', o crescimento de campanhas publicitárias onde era praticamente sobre a própria programação (trava-língua essa, hein) e se tornou quase o mesmo merchan da TV aberta, etc...). E a observação/divagação da vez é sobre representatividade, ou melhor, a representatividade ao longo dos tempos.
Porque é uma situação recorrente: A gente critica alguma produção e vem alguém de lá pra dizer "ain, mas não dá pra fazer a análise de hoje com algo do passado". Olha, já adianto que dá sim, porque questões socioculturais e políticas não são acontecimentos isolados. São parte de um processo que envolve a própria sociedade.
"Saga, você tá sendo muito técnico, fala em português".
Ok, falando em português, tem aquela que o português olha uma casca de banana e... BRINQS!
Vamos lá, trocando em miúdos: O que muitos acham que é apenas lembrança, como um capítulo de um livro, no frigir dos ovos, é uma parte desse imenso filme que se chama a história do mundo. E vou provar isso com um rápido estudo de casos informal (e diria tão mal organizado quanto bem intencionado - Rá!).
A primeira e principal série citada nesses casos é Friends. Vemos meia dúzia de jovens neuróticos e bonitos, brancos toda vida, vivendo o cotidiano agitado e sexy da Nova York de meados dos anos de 1990. De vez em quando, brotava um negro como segurança, figurante, recepcionista, etc. Às vezes. Até que em duas temporadas distintas, há participações de negros com algo mais do que papel de escada/figuração dos protagonistas brancos classe média. Estou falando de Gabrielle Union e Aisha Tyler.
O curioso é que ambas as atrizes foram escaladas para papéis de interesses amorosos de Ross e Joey simultaneamente. Union é uma nova vizinha objeto de uma aposta na disputa por sair com ela e Tyler, é uma doutora renomada que inicialmente sai com Joey, mas acaba se interessando por Ross, por terem os mesmos interesses intelectuais. Mas a pegadinha é que ela se torna tão volúvel quando assumem o relacionamento, que ela volta com um ex antigo na frente de Ross. Representou, né? (leia este último trecho com muita ironia).
Enfim, aí, a galera vem com aquele papo tão ou mais chapa-branca que a própria série, de que naqueles tempos era diferente, não se via a representatividade como hoje... É? Friends foi de 1994 a 2004. Eu imagino que a audiência jovem de hoje, na casa dos 20 anos, possa até achar que Friends é muito antiga, do tempo dos seus pais, mas pra quem tá beirando os 40, que nem eu, ela soa datada, mas não tão antiga. E durou 10 anos. DEZ ANOS com participações mínimas de negros. Além das duas moças que chegaram perto do elenco principal com alguma relação, foram espalhados negros pelas cozinhas, portarias, recepções ou naqueles papéis condescendentes, tipo o chefe durão, a diretora mandona e só. Muitos nem nomes tinham, apenas 'segurança 2', 'motorista de taxi 1'.
"Ain, Saga, ainda não me convenci. Friends é de outra época.". Ok, você ainda pode lembrar do nacional Sai de Baixo, que durou de 1996 a 2002. Sem negros no elenco principal e nas muitas participações, foram escassos. Lembro muito nitidamente, assim de primeira, do Tony Tornado, como um rei africano (pegou a visão?).
Vamos pra outro exemplo de grande sucesso estadunidense e internacional: How I Met Your Mother (HIMYM). Cinco protagonistas, ou melhor, um protagonista e seus amigos por 10 anos buscando a tal mãe dos filhos dele (que mal aparece e a gente descobre que morreu - spoiller!?). Essa é conhecida por alguns como uma versão mais descolada de Friends (modelos bem sucedidos na mídia fazem escola, isso é inegável, até porque, 'um bar é melhor do que uma cafeteria').
Mas o curioso dessa série não é a falta de representatividade, mas a representatividade um tanto forçada que lançaram. Novamente, toda sorte de brancos no elenco principal, recorrente, participações especiais e figurações, até que você chega a uma participação negra com alguma relevância na série: O meio-irmão de Barney, James. Ele é gay e negro e isso, por si só, já seria um sinal dos novos tempos, já que a série nasceu depois (ela nasceu em 2005, um ano após Friends encerrar e terminou em 2014).
Tipo, não tinham onde enfiar um personagem com importância moderada pra ser representativo e lançaram, num personagem só, duas 'minorias' da população de lá. Estranho ele não ter alguma ascendência asiática, ser vegano, hipster e nerd. Não é que não possa haver negros gays no meio da série, mas neste caso, ficou bem forçado, visto que nenhum outro personagem próximo do elenco principal é negro ou gay. Lembra que Chandler, de Friends, em tese, seria gay numa revisão de roteiro antes da definitiva (o que soa esquisito, já que foram 10 anos de piadas homofóbicas de Ross sobre sua ex com a companheira dela e com o próprio Chandler). Mas estamos falando de HIMYM.
Aliás, falei sobre a representatividade forçada no irmão de Barney e lembrei de outras duas séries. A primeira é Young and Hungry (Jovem e Gourmet, no Brasil). A série foi de 2014 a 2018, bem mais atual que todas aqui e a representatividade nela era um gay asiático afetado (vou citar já já outro exemplo do estereótipo), a empregada do mocinho branco rico, Yolanda, uma mulher preta de gênio explosivo e a melhor amiga da protagonista branca, que era de ascendência latina. Representou? Não. É só olhar meia hora da série que além de ser um amontoado de clichês de comédias românticas/sitcoms, o roteiro é pífio e os serviçais estereotipados só aparecem pra fazerem suas piadas preconceituosas (naquela ideia de que o alvo fazendo piada consigo mesmo não soaria tão agressivo). Piada pra branco rir.
Falei que ia citar outro asiático com trejeitos afeminados e com ares de estilo alternativo, mas citarei dois. Two Broke Girls (2011-2017), tinha lá o gerente da lanchonete onde as protagonistas trabalhavam, Han. E em Superstore, temos Mateo. A série começou em 2015 e ainda está sendo produzida. Bem atual, né? E aí, ainda acha que de Friends pra cá tem tanto tempo assim, quando se considera o passar dos anos em sequência e não empacotado num box de dvd empoeirado apoiando o celular passando Netflix?
Não é que não possa ter esse tipo de personagem, mas quero mostrar aqui que a representatividade, muitas vezes, é só uma muleta pra série passar por inclusiva e agregadora, mas estabelece apenas um enxerto e não uma situação que parecesse de fato natural naquele contexto. Mas não acabou, ainda, deixei a mais chamativa do momento por último, apesar de que tem muita coisa que já foi fala aqui, mas você já vai entender o porquê - que foi anunciada lá no começo.
The Big Bang Theory, finalmente, vai acabar. Graças! A série até tem lá seus momentos de risos, boas sacadas do universo nerd, mas é uma porcaria de um bullying visto pelo lado de dentro da janela, né? Convenhamos, a protagonista mesmo é a Penny, que olha de fora e faz o deboche com aquele mundo recluso da cultura pop/nerd. E com o tempo, a série foi perdendo o pouco apelo original, da pegada científica e tals pra ser só um monte de piadas pejorativas contadas pelos próprios alvos delas (Stuart, argh!).
Mas a situação da comédia (trocadilho bom, hein!) é que seguiu o modelo Friends de ser. Deixe tudo de lado e dê foco nas relações. E é aquilo, virou uma grande terapia de casais brancos, piadas preconceituosas, pais desajustados, mother issues, um montão de contradições de roteiro, estereótipos de pessoas socialmente arredias e a única mulher do elenco original que não tem um sobrenome até que se casa com o protagonista josé mayer dos nerds e adota seu sobrenome.
Bem, a série é do Chuck Lorre e você já deve ter reparado que suas obras sempre começam com meia dúzia de episódios com uma ideia minimamente original e tudo descamba para as piadas de sexo, bebidas, drogas, amarguras familiares e o fatal momento da lição de amizade ao fim do episódio. Sério, assista a qualquer coisa de Two and a Half Men, Mom, Mike & Molly, além da própria TBBT. Que, aliás, voltando, ao tema, conseguiu seguir tanto a fórmula de Friends que ou você admite que esse papo de outra época não cola ou estamos ainda em 1994, quando tudo era, supostamente, diferente.
Veja, os negros da série são tipo Raj (ou o paquistanês Timmy, de Rules of Engagement - 2007 - 2013). Só aparecem pra servirem de piada racista naquela fórmula de tentar soar menos escroto se o alvo é seu amigo. É aquele bullying que tenta te convencer que as risadas são COM você e não DE você. E porque mais a chefe dos protagonistas, negra, aparece? Sheldon, por exemplo, que já deixou de ser o antissocial pra ser apenas um cara arrogante, faz comentários racistas o tempo todo perto dela.
Olha que 'legal', numa série que conseguiu repetir a mesma atriz negra em três personagens recepcionistas/enfermeira diferentes ao longo da série, dá a outra um personagem fixo em um cargo de chefia apenas para ela ser alvo de chacota. Ou seja, o protagonista está fazendo uma piada babaca, a plateia gravada está rindo pra te induzir a rir dela. Repare, que o nerd é alvo de preconceito, a série reforça esse preconceito e outros.
Enfim, é isso, e olha que não citei muitas outras séries com pouca ou nenhuma representatividade (lembrando que negros estarem presentes não significa representatividade, muitas vezes estamos representando o racismo reforçado). Muitas dessas série internacionais são feitas pelo branco, visto que nos EUAses as etnias são bem definidas, diferente da miscigenação que aconteceu aqui no brasil. Isso explica que lá tenha o público alvo branco e o público alvo preto, latino, asiático, etc. Agora não explica aqui no Brasil, onde a maioria da população é preta/parda e não se vê na tela. Assista Toma Lá Dá Cá, Pé na Cova, o já citado Sai de Baixo, novelas em geral, programas de TV, etc...
Por lá, veja também Mad About You, Blossom, Seinfeld (que inclusive tem um episódio onde George resolve provar que não é racista e tenta fazer amizade com todos os negros que já participaram da série e leva um detetizador para almoçar com seu chefe também negro), Supernatural, etc... E repare que citei séries de 1994 até hoje. Séries duraram 10 anos ou mais, que atravessaram épocas e nunca tiveram a sacada de falar 'ei, vamos fazer algo novo e incluir tipos diferentes do branco médio'. Até acontece no modelo minoria, tipo Donald Glover em Community ou Iris West em Flash, bem inseridos no universo branco, mas se falarem que é de uma época quando praticamente não soava errado, Um Maluco no Pedaço (Will Smith) é de 1992 e The Cosby Show é de uma década anterior. Enquanto aqui o negro só aparece em alguma quantidade se a novela tratar de escravidão, porque até favela é branca na telinha.
Então, quando vemos o negro de forma periférica em obras que representam uma sociedade que ele ergueu à força pro branco viver, sim, isso incomoda. Já cansamos desse lugar sem background, sem vida, sem família, sem romance, enfim, sem ser visto como um cidadão completo e não o empregado pra transar e abrir portas e servir café.
Porque é uma situação recorrente: A gente critica alguma produção e vem alguém de lá pra dizer "ain, mas não dá pra fazer a análise de hoje com algo do passado". Olha, já adianto que dá sim, porque questões socioculturais e políticas não são acontecimentos isolados. São parte de um processo que envolve a própria sociedade.
"Saga, você tá sendo muito técnico, fala em português".
Ok, falando em português, tem aquela que o português olha uma casca de banana e... BRINQS!
Vamos lá, trocando em miúdos: O que muitos acham que é apenas lembrança, como um capítulo de um livro, no frigir dos ovos, é uma parte desse imenso filme que se chama a história do mundo. E vou provar isso com um rápido estudo de casos informal (e diria tão mal organizado quanto bem intencionado - Rá!).

O curioso é que ambas as atrizes foram escaladas para papéis de interesses amorosos de Ross e Joey simultaneamente. Union é uma nova vizinha objeto de uma aposta na disputa por sair com ela e Tyler, é uma doutora renomada que inicialmente sai com Joey, mas acaba se interessando por Ross, por terem os mesmos interesses intelectuais. Mas a pegadinha é que ela se torna tão volúvel quando assumem o relacionamento, que ela volta com um ex antigo na frente de Ross. Representou, né? (leia este último trecho com muita ironia).
Enfim, aí, a galera vem com aquele papo tão ou mais chapa-branca que a própria série, de que naqueles tempos era diferente, não se via a representatividade como hoje... É? Friends foi de 1994 a 2004. Eu imagino que a audiência jovem de hoje, na casa dos 20 anos, possa até achar que Friends é muito antiga, do tempo dos seus pais, mas pra quem tá beirando os 40, que nem eu, ela soa datada, mas não tão antiga. E durou 10 anos. DEZ ANOS com participações mínimas de negros. Além das duas moças que chegaram perto do elenco principal com alguma relação, foram espalhados negros pelas cozinhas, portarias, recepções ou naqueles papéis condescendentes, tipo o chefe durão, a diretora mandona e só. Muitos nem nomes tinham, apenas 'segurança 2', 'motorista de taxi 1'.
"Ain, Saga, ainda não me convenci. Friends é de outra época.". Ok, você ainda pode lembrar do nacional Sai de Baixo, que durou de 1996 a 2002. Sem negros no elenco principal e nas muitas participações, foram escassos. Lembro muito nitidamente, assim de primeira, do Tony Tornado, como um rei africano (pegou a visão?).

Mas o curioso dessa série não é a falta de representatividade, mas a representatividade um tanto forçada que lançaram. Novamente, toda sorte de brancos no elenco principal, recorrente, participações especiais e figurações, até que você chega a uma participação negra com alguma relevância na série: O meio-irmão de Barney, James. Ele é gay e negro e isso, por si só, já seria um sinal dos novos tempos, já que a série nasceu depois (ela nasceu em 2005, um ano após Friends encerrar e terminou em 2014).
Tipo, não tinham onde enfiar um personagem com importância moderada pra ser representativo e lançaram, num personagem só, duas 'minorias' da população de lá. Estranho ele não ter alguma ascendência asiática, ser vegano, hipster e nerd. Não é que não possa haver negros gays no meio da série, mas neste caso, ficou bem forçado, visto que nenhum outro personagem próximo do elenco principal é negro ou gay. Lembra que Chandler, de Friends, em tese, seria gay numa revisão de roteiro antes da definitiva (o que soa esquisito, já que foram 10 anos de piadas homofóbicas de Ross sobre sua ex com a companheira dela e com o próprio Chandler). Mas estamos falando de HIMYM.


Não é que não possa ter esse tipo de personagem, mas quero mostrar aqui que a representatividade, muitas vezes, é só uma muleta pra série passar por inclusiva e agregadora, mas estabelece apenas um enxerto e não uma situação que parecesse de fato natural naquele contexto. Mas não acabou, ainda, deixei a mais chamativa do momento por último, apesar de que tem muita coisa que já foi fala aqui, mas você já vai entender o porquê - que foi anunciada lá no começo.
The Big Bang Theory, finalmente, vai acabar. Graças! A série até tem lá seus momentos de risos, boas sacadas do universo nerd, mas é uma porcaria de um bullying visto pelo lado de dentro da janela, né? Convenhamos, a protagonista mesmo é a Penny, que olha de fora e faz o deboche com aquele mundo recluso da cultura pop/nerd. E com o tempo, a série foi perdendo o pouco apelo original, da pegada científica e tals pra ser só um monte de piadas pejorativas contadas pelos próprios alvos delas (Stuart, argh!).

Bem, a série é do Chuck Lorre e você já deve ter reparado que suas obras sempre começam com meia dúzia de episódios com uma ideia minimamente original e tudo descamba para as piadas de sexo, bebidas, drogas, amarguras familiares e o fatal momento da lição de amizade ao fim do episódio. Sério, assista a qualquer coisa de Two and a Half Men, Mom, Mike & Molly, além da própria TBBT. Que, aliás, voltando, ao tema, conseguiu seguir tanto a fórmula de Friends que ou você admite que esse papo de outra época não cola ou estamos ainda em 1994, quando tudo era, supostamente, diferente.
Veja, os negros da série são tipo Raj (ou o paquistanês Timmy, de Rules of Engagement - 2007 - 2013). Só aparecem pra servirem de piada racista naquela fórmula de tentar soar menos escroto se o alvo é seu amigo. É aquele bullying que tenta te convencer que as risadas são COM você e não DE você. E porque mais a chefe dos protagonistas, negra, aparece? Sheldon, por exemplo, que já deixou de ser o antissocial pra ser apenas um cara arrogante, faz comentários racistas o tempo todo perto dela.
Olha que 'legal', numa série que conseguiu repetir a mesma atriz negra em três personagens recepcionistas/enfermeira diferentes ao longo da série, dá a outra um personagem fixo em um cargo de chefia apenas para ela ser alvo de chacota. Ou seja, o protagonista está fazendo uma piada babaca, a plateia gravada está rindo pra te induzir a rir dela. Repare, que o nerd é alvo de preconceito, a série reforça esse preconceito e outros.
Enfim, é isso, e olha que não citei muitas outras séries com pouca ou nenhuma representatividade (lembrando que negros estarem presentes não significa representatividade, muitas vezes estamos representando o racismo reforçado). Muitas dessas série internacionais são feitas pelo branco, visto que nos EUAses as etnias são bem definidas, diferente da miscigenação que aconteceu aqui no brasil. Isso explica que lá tenha o público alvo branco e o público alvo preto, latino, asiático, etc. Agora não explica aqui no Brasil, onde a maioria da população é preta/parda e não se vê na tela. Assista Toma Lá Dá Cá, Pé na Cova, o já citado Sai de Baixo, novelas em geral, programas de TV, etc...
Por lá, veja também Mad About You, Blossom, Seinfeld (que inclusive tem um episódio onde George resolve provar que não é racista e tenta fazer amizade com todos os negros que já participaram da série e leva um detetizador para almoçar com seu chefe também negro), Supernatural, etc... E repare que citei séries de 1994 até hoje. Séries duraram 10 anos ou mais, que atravessaram épocas e nunca tiveram a sacada de falar 'ei, vamos fazer algo novo e incluir tipos diferentes do branco médio'. Até acontece no modelo minoria, tipo Donald Glover em Community ou Iris West em Flash, bem inseridos no universo branco, mas se falarem que é de uma época quando praticamente não soava errado, Um Maluco no Pedaço (Will Smith) é de 1992 e The Cosby Show é de uma década anterior. Enquanto aqui o negro só aparece em alguma quantidade se a novela tratar de escravidão, porque até favela é branca na telinha.
Então, quando vemos o negro de forma periférica em obras que representam uma sociedade que ele ergueu à força pro branco viver, sim, isso incomoda. Já cansamos desse lugar sem background, sem vida, sem família, sem romance, enfim, sem ser visto como um cidadão completo e não o empregado pra transar e abrir portas e servir café.
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