Crônicas, divagações e contestações sobre injustiças sociais, cultura pop, atualidades e eventuais velharias cult, enfim, tudo sobre a problemática contemporânea.
segunda-feira, 18 de junho de 2018
O que é Copa do Mundo?
Antigamente, copa do mundo era algo que 'acontecia'. Sim, acontecia no sentido de ser um evento que mobilizava, mudava rotinas, unia pessoas... hoje, tá uma mídia ferrenha, mas que não cativa. Só para aqueles que ainda têm o hábito ou curiosidade de saber quem vai ganhar. Patriotismo não tem, porque vejo a ironia de gente aí falando coisas como 'isso é Brasil mesmo, essa m...', e depois tá torcendo feito louco como se o próprio filho jogasse na seleção com o argumento de 'a seleção não tem culpa' ou ainda 'o Brasil precisa ter alguma alegria'.
Mas, voltando, eu acho que copa, hoje em dia, é algo feito e embalado já pra render o que deu certo e chamou atenção antes. A copa mal começou e já têm milhares de musas da torcida, já elegeram um bicho qualquer como o vidente da vez, colocaram o nome de um jogador popular entre os que acompanham e toda hora é alguma notícia forçada pra pegar aqueles curiosos que ficam atualizando telas de PCs e celulares. É o mesmo efeito da combinação vermelho-amarelo do McDonald's ou de qualquer loja de brinquedos... Coloca-se cores vivas pra atrair a atenção visual imediata... e seleções de futebol juntam tudo isso.
Saudades verdadeiras do tempo que, mesmo sendo um placebo açucarado, como o carnaval, novela ou qualquer outra coisa que a mídia faça pra manter a audiência no alto e a população adestrada, ainda tinha espaço para acontecimentos espontâneos. Vamos ver: da minha memória pessoal, lembro da copa de 1990 e o gol de Caniggia com passe de Maradona em cima do Brasil, em 1994, a torcida pela convocação de Romário contra o Uruguai, o tetra e a homenagem a Ayrton Senna... Era uma mídia diferente, que realmente buscava o sentimento do brasileiro em relação ao futebol. Tremenda ferramenta de alienação na época da ditadura, mas tinha um viés de verdade, digamos, 'inocente'.
Hoje, já estamos na terceira copa em que se espera que o Neymar(keting) salve o país, mas além de vender cueca, desodorante, celular e a ideia ilusória de que minimamente será lembrado como ídolo daqui a 50 anos, como outros o são, não vejo nada de mais. Só a mesma história de ser superestimado pela mídia e parte da população e sua namorada-parceira de publicidade e propaganda. Vender ele vende bem, é um conceito publicitário. Jogar, nhé... pode ser, mas tô falando daquele 'tchan', que acho que morreu no Ronaldo Nazário, Ronaldinho Gaúcho e Adriano.
Hoje tá essa fanfarronice no modo automático. Seleção tem modelos se fazendo de jogadores (por isso que quando se deparam com times organizados levam surras homéricas ou passam inexpressivos por que o adversário ainda respeita o peso da camisa).
E assistir Brasil jogando com camisa da CBF ainda me faz lembrar os paneleiros da vida... Nhé... quem é de curtir que curta, porque quando a gente quer, qualquer pé-sujo da esquina vira uma festa de gala. No mais, eu não sou patriota, não me sinto representado por um país que odeia minha raça, finge que não passou mais de 300 matando e violentando meus ancestrais e hoje me chama de chato porque eu denuncio seus remanescentes ideológicos.
Copa é copa e aquelas que já passaram vão sempre estar na minha memória afetiva. De 1998 pra cá é só marketing, vendas e nem um sonho pra quem quer sonhar.
quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018
9 Manifestações políticas em eventos esportivos que entraram para a história
Tiago Leifert não para de disparar sua metralhadora
giratória de abobrinhas. Na verdade, acho que ele é o novo Lobão, Roger Moreira
ou sei lá... Se em vez de só alienar, ele direcionasse a opinião pra algum lado
ideológico eu diria isso com certeza, mas como ele só quer desligar seu cérebro
e curtir um bom jogo, acho que ele tá mais pro menino de apartamento que senta
no carpete anti-alérgico pra jogar seu PS4/Xbox. E, pelo mau humor que tem
demonstrado, parece que nem com macete tá conseguindo vitórias e tá descontando
nos outros.
A última... ou melhor, mais recente – porque última eu
duvido que seja – é que um atleta estadunidense, ao se manifestar contra a
violência policial pra cima dos negros nos EUAses, tornou o esporte ‘chato’,
porque, segundo o apresentador/colunista, manifestações políticas não combinam
com esporte. Ele, segundo sua tese, só quer chegar em casa e assistir a um bom
jogo sem precisar se incomodar com a desventura alheia. Sim, porque é isso
mesmo que ele passa. Ele não se preocupa com os problemas dos outros, apenas
quer passar imune aos problemas do mundo que não o afetam. Como esquecer do
recente episódio onde afirmou que os participantes do BBB falam em
representatividade estão falando à toa, pois não teriam recebido credenciais da
população para serem representados? Aliás, quem foi que deu credenciais ao
Tiago Leifert pra afirmar que a população não gostaria de ver mais
representaividade?
Bom, como obviamente ou Tiago não tem memória, ou acha
que eventos esportivos com manifestações políticas são tipo legume no lugar do
seu sucrilhos, vamos lembrar rapidamente de alguns momentos que, em vez de
chatos, pro pequeno Tiaguito, tornaram-se marcos históricos e símbolos de
mudanças, mesmo que para gerações seguintes, tendo significado até retaliações
por parte de governos. Afinal, será que a história aconteceria do jeito que
acontece se todos deixássemos manifestações políticas de lado pra assistir
novela, BBB ou jogo na TV? Vamos lá:
Colin Kaepernick – 2016
Primeiramente,
![]() |
Chupa, Hitler. Nem me viu! |
Naquele ano, o nazismo ainda não tinha estourado em
guerra contra o mundo, mas já tinha bem definidas suas convicções políticas,
inclusive no esporte (olha aí, Tiaguito, muito antes de você pisar sobre a
Terra pra falar asneira). Acontece que o plano de Hitler era usar a olimpíada
de Berlin pra fazer propaganda da superioridade ariana (da qual ele mesmo não
fazia parte) e teve atravessado em seu caminho o negro estadunidense Jesse
Owens. Owens, simplesmente, ganhou 4 medalhas de ouro em provas de velocidade,
incluindo a clássica de 100m rasos. No pódio, ele se recusou a olhar para a
tribuna onde estava o führer, mesmo que o tal já tivesse saído do estádio
desgostoso da vida.
Muhammad Ali – 1967
![]() |
Aqui, Ali em companhia de Malcolm X |
Só de mudar o nome de Cassius Clay para Muhammad e se
converter ao islamismo, já foi uma tremenda manifestação política, visto que
essa era uma postura muito definida de Malcolm X, que o influenciou com a
ideologia adotada pelos Panteras Negras. Mas, não bastando, Ali ainda protestou
contra a guerra no Vietnã se recusando a lutar (na guerra, não nos ringues),
sendo preso, multado e tudo, mas apelou e foi absolvido, alegando motivos
religiosos. Lenda é pouco pra esse cara.
Tommy Smith e John Carlos – 1968
Nos jogos do México, os atletas celebraram suas medalhas
(ouro pra Smith e bronze pra Carlos) com um dos punhos cerrados para o alto
dentro de luvas negras. Saudação do partido dos Panteras Negras. Lembrem-se,
era época de intensa luta por direitos civis dos negros nos EUAses. Eles foram
expulsos da Vila Olímpica e nunca mais suas vidas foram as mesmas. Segundo
Leifert, isso seria evitado se eles apenas desligassem os cérebros e corressem
pra entreter o público. Mas... será que seria melhor sem isso? Será que seriam
exemplos de luta ainda hoje?
EUA x URSS – 1980
Após a invasão soviética ao Afeganistão, os EUAses se
recusaram a participar dos jogos olímpicos de Moscou. Era guerra fria no seu
momento mais tenso e a terra do Tio Sam expôs seu posicionamento político pra
desespero do recém-concebido Tiaguito, ainda em sua manjedoura dourada, com
Mario Kart e God of War incluídos.
Corinthians – 1981
Pela democracia dentro do clube, jogadores, encabeçados
por Sócrates e Casagrande, exigiram maior participação dos jogadores em
decisões importantes, assim como o movimento ganhou força no clube, por ser um
dos maiores clubes do Brasil, também significou uma luta maior, pela democracia
no Brasil, em tempos de ditadura enfraquecida e o povo clamando nas ruas. Inclusive,
Casagrande, hoje o famoso comentarista de esportes, já deu seu parecer sobre o
equívoco que seria não misturar política e esporte. Tendeu, Tiago?
URSS x EUA - 1984
Aí, foi a vez da retaliação fria da Guerra Fria (hein?!).
A União Soviética decidiu dar o troco e nos jogos olímpicos de Los Angeles,
também não foi. Alegando temer pela segurança de seus atletas, em possíveis protestos violentos, resultado: Boicote dos dois lados, empatou.
Nelson Mandela – 1995
Madiba foi o primeiro presidente negro da África do Sul
após o apartheid. O regime separatista e opressor imposto à raça negra criou
uma secção na hora do rúgbi. É que o esporte era mais querido pela minoria
branca e a maioria negra perigava boicotar. Mandela uniu a população ao trazer
para si os amantes do esporte e fez a ponte para um início de quebra de
desconfiança da população negra. Estava encaminhando para uma sociedade mais
integrada através do esporte.
Coréias unidas - 2018

Então, Tiago Leifert, deixa de falar besteira, porque
afora ter levantado uma questão muito legal de ser debatida, você o fez através
de mesquinharia ou alienação. Foi como levar chuva a uma região de seca, mas
por que tava tentando afogar os outros e seu plano deu errado. Se política e
esporte realmente não combinassem, nem hino nacional era pra se cantar, muito
menos se dividir em países e fomentar disputas nacionalistas, coisa que até
numa guerra se faz.
Não finja se importar com o atleta ‘problemático’, porque
você não liga nem pra ele e nem para toda a população que sofre o que ele
está denunciando com seus manifestos pacíficos. Você só não quer ser lembrado que o mundo tem problemas para os quais você não liga, rapaz branco, rico, famoso e privilegiado. Vai do trabalho pra casa
desligar o cérebro que é melhor. Não precisamos saber o que você pensa
deixa de pensar. Vamos analisar que esporte não é lugar pra manifestação política, programa de TV não é lugar pra ativismo e representatividade... O que ele acha que a população é? Um bando de vegetais que só servem pra ligar o aparelho e dar audiência? É, pois é...
![]() |
Sabe como usar globo, controle e população na mesma frase? |
Fontes:
Marcadores:
esporte,
política,
tiago leifert
Tiago Leifert: Esporte e política não se misturam? Sério?
![]() |
Se o apresentador playboy não fosse alienado, lembraria de momentos como esses acima, antes de falar besteira. |
Veja bem, quando Maju Coutinho, Taís Araújo e Cris Vianna sofreram ataques racistas, a globo já foi lá com a hashtag 'somostodosfulana', mas aí, a gente nota que 95% de seu quadro é de gente branca - e não negros, como descendentes de árabes, japoneses, etc.
Então, vem um William Waack da vida, que já tinha destilado veneno para outras situações de forma igualmente leviana e sem caráter, e diante de uma buzina incômoda fora do estúdio, diz que só podia ser coisa de preto. Nem viu quem foi, mas pra ele, só uma pessoa de etnia negra/afro poderia ser tão incômodo.
![]() |
Tiago Leifert sendo o poeta que é. #sqn |
Enfim, não deu muito tempo, e Tiago Leifert já deu duas tropeçadas dessas e em mídias diferentes. Numa, diz em rede nacional, na TV, para uma participante negra ativista social que o BBB não se interessa por seu lado jornalístico, que só queria vê-la. Argumento idiota, pois uma pessoa formada em qualquer faculdade, vai trazer em si sua formação, como parte de sua identidade social. Metralhadora giratória de impropérios.
Aí, Leifert, aquele branco, rico, famoso e que provavelmente deve ter tido como maior desafio na vida, zerar Super Mario Bros sem macete, escreve para uma revista que esportistas não deveriam misturar esporte e política, porque torna o esporte uma coisa chata. Isso, no país que despreza seus esportistas e só valoriza aqueles que podem se tornar garotos-propagandas de desodorante, cueca e celulares e atrair audiência quando tem alguma competição perto.
![]() |
Leitor que eu abraçaria depois de aplaudir se eu presenciasse essa conversa. |
Leifert não surpreende em nada com seu "posicionamento" de não querer se chatear com problemas sociais que não o atingem. E não contente, ainda 'justifica' a demissão de um jogador de futebol americano que usou o momento do hino pra manifestar-se contra a violência policial sobre negros nos EUAses. Tipo, 'se sofrer uma injustiça, cale-se, ou você perde o emprego' e 'não me venha com raciocínio, eu não quero pensar, só gritar com a tv na hora do futebol'.
Ainda é mais sincero do que muitos aí que se fingem de revoltados com a corrupção e trabalham pra uma máquina gigante de apoio a empresários e políticos descendentes/viúvas da ditadura. Mas não se engane, não estou elogiando o apresentador. Ele só é junior onde a cambada é sênior.
Ps¹: Falando em não misturar esporte com política, já repararam que Pelé, o esportista negro mais famoso do Brasil faz questão de reforçar esse aspecto 'bom crioulo' e sempre passa de lado, ou até aconselhando a deixar o assunto pra lá com um sorriso, como fez com o goleiro Aranha, ao vê-lo ser xingado de macaco por torcedores do Grêmio? Pelé e Tiago, calados, são poetas da melhor qualidade. Vozes de suas gerações. Rá!
Ps²: Política é exercida até quando se combina em qual momento se deixa ligada ou desligada a TV. Sem política, a sociedade seria apenas um monte de gente andando por aí a esmo. E outra, há momentos em que se misturaram os dois assuntos e foram marcos históricos. Tiago, vai jogar Mario Kart, menino, e deixa quem entende do tema falar.
Marcadores:
futebol,
política,
tiago leifert
terça-feira, 27 de fevereiro de 2018
Pantera Negra e a Representatividade
Pegando ainda o gancho da infeliz - e desprovida de caráter - de Tiago Leifert ("esse negócio de representatividade não leva a nada"), me peguei pensando sobre 'esse negócio de representatividade' ao longo da semana.
Primeiro, que não preciso nem dizer o quão deficitária de um mínimo de lógica foi a colocação débil do referido apresentador, né? Não vou nem levá-lo a sério, branco, rico, famoso e trabalhando para um dos maiores pilares da contra-representatividade no país, afinal, cadê o tal espelho/janela por onde o Brasil se veria na TV - como dizia um famoso slogan da emissora - se a maioria de negros do país não vê nem 10% diante das câmeras e quase nenhum atrás, com a caneta de escritor e a cadeira de diretor? Enfim, vamos falar de representatividade, que além de importar muito, está ganhando um importante capítulo na nossa luta por mais justiça social, igualdade e respeito. Não só do branco rico para/com o negro pobre, mas do próprio negro para/consigo mesmo.
Como tudo começou?
Eu era bem pequeno e, ao contrário do que muitos pensam, crianças veem diferenças sim. Pode ser algo residual da convivência com adultos que reproduzem racismo, mas mesmo involuntariamente, muita criança fala e ouve bizarrices que só vão entender depois de grandes, SE derem sorte. É perfeitamente capaz de alguém passar a vida achando que preto é motivo de piada sem que tenha a oportunidade de aprender a questionar de onde vem isso. Aliás, muito preto passa a vida se conformando com isso e achando que deve ser o coadjuvante cômico da própria vida.
Sendo assim, eu, tendo nascido no início dos anos '80, tinha pouquíssimos personagens de grande apelo público para me espelhar. Sim, tinha os disfarçadamente negros, como Panthro (dos Thundercats e seu visual nitidamente negro, inclusive o estereótipo de mecânico da equipe) e até mesmo He-man (que, ao se transformar, passava de um frágil branco para um viril bárbaro negro, de cabelos loiros (?!)), mas esses não contavam. Não tínhamos muitos personagens que se apresentassem como negros e se colocassem em pé de igualdade.
Tinha a Tempestade nos gibis, ainda não existia o Super Choque e John Stewart, o Lanterna Verde negro do desenho da Liga da Justiça, era pra lá de secundário mesmo nos gibis, nunca tendo aparecido em qualquer desenho antes da série clássica de 2001. Os principais e, mais importante, os que mais chegavam ao imaginário popular, ganhavam filmes, desenhos e linhas de bonequinhos, eram os brancos de classe média Superman, Homem-Aranha, Batman, etc.

E no Brasil, Saga?
Bem, no Brasil, o referencial na TV era muito pobre. Mussum, Tião Macalé e Jorge Lafond, alegravam vidas nos Trapalhões, mas não de um jeito muito representativo. Eram os alívios cômicos do racismo (e no caso de Lafond, de homofobia). Eram tratados como caricaturas e nós, na vida real, éramos os 'filhos'. Que pretinho crescendo na década de '80 nunca foi chamado de filho do Mussum para gargalhadas histéricas e debochadas? Era nosso lugar na sociedade. Não é?
Ah, tínhamos também o clássico Sítio do Pica-Pau Amarelo, de Monteiro Lobato e sua transmissão clássica... Ah, os pretos eram o Saci, uma criatura folclórica brasileira conhecida por só aprontar com os outros, um preto velho conselheiro (Tio Barnabé) e uma preta quituteira (Tia Nastácia) que apesar de ser a cozinheira, até na hora de nomear uma marca famosa de farinha de trigo, perde o lugar para a patroa branca (Dona Benta).
Não vamos esquecer que para a TV, a coisa foi bem amenizada, quando é só a gente pesquisar um pouco da vida e obra de Monteiro Lobato e vemos que ele era um tremendo eugenista, daqueles que acreditam que o 'lugar' do negro é no serviço braçal e submisso e o do branco é nas esferas intelectuais. O típico racista que estereotipa o negro como o burro de carga e o branco como o 'raça pura' (da mistura de cavalo de raça com burro de carga é que nasce o jegue, ou o jumento, ou a mula... sim MU-LA-TO - argh, detesto esse termo).
Ma pera, Saga, e os gibis?
Bem, vamos tentar então na parte dos gibis... Bom, se a coisa não era boa na gringolândia, aqui tínhamos Maurício de Sousa Produções... Nhé... perdemos de novo, negada! Veja que a MSP só tinha dois personagens negros, o Jeremias (um personagem nunca valorizado a ponto de ser visto perto dos protagonistas) e o Pelezinho (criado única e exclusivamente por causa do Pelé, menos representativo para negros que um cone de trânsito). Na verdade, já abordei o assunto aqui, tem mais personagens verdes do que negros na Turma da Mônica.
E hoje, Saga?
Bem, hoje temos muitas referências, embora ainda seja pouco com protagonismo, afinal, de que adianta nos representar sendo o ajudante, igual aquele péssimo Percy Jackson, onde o negro é o guarda-costas não humano do branco semideus? Bem, alguns outros exemplos já estão aí e outros porvir, mas vou resumir tudo em duas palavras: PANTERA NEGRA.
O Pantera sendo o protagonista, rei de uma África que nunca foi colonizada pelo branco, que luta ao lado de mulheres igualmente poderosas e empoderadas e que defende seu povo e sua terra... Caras, isso sim é representatividade. Não é só pegar um ou dois negros e colocar ali no meio dos figurantes pra dizer que se importam. Aliás, o elenco todo é uns 98% negro e isso é inédito de várias maneiras.
Conclusão
Bem, hoje, eu não sei, porque tem muito celular, aplicativo e joguinhos desviando a atenção das crianças em suas brincadeiras, mas se fosse no meu tempo, isso seria uma revolução ainda maior, ser diretamente ligado a um herói poderoso e imponente em vez de caricaturas cômicas. Não ia ter palhaçada de 'você é o herói tal depois do banho de tinta', não! Eu ia ser o Pantera Negra, aquele que pode arrancar essa sua língua suja só por desrespeitar um dos meus. E isso é lindo.
Quer ver como esse filme é, no mínimo, diferenciado em termos de filme de herói, filme da Marvel, filme representativo? Olha a avaliação do Rotten Tomatoes, site de crítica famoso por mostrar a reação do público diante de um filme.
Perceberam? Quase 100% de aprovação. Nenhum outro filme, mesmo os hypados como Batman: O Cavaleiro das Trevas, não teve quase crítica negativa. Aliás, se quiser entrar lá pra ver o que os pouquíssimos críticos falaram, fique à vontade, vou logo adiantando que são críticas rasas sobre o roteiro priorizar a história e não as cenas de porrada ou até dizer que a história é irreal, porque África não é daquele jeito na realidade. Mas, você vai lá por própria conta e risco.
No mais, representatividade importa sim, com certeza não pro BBB e pra emissora que o sedia, afinal, eles não chegaram onde chegaram fortalecendo cada camada social e sim, enganando toda uma população já viciada a assistir sem questionar sua programação. Aliás, a palavra programação tem duplo sentido aqui, reparou? É igual quando falamos em colonização. Colonizar não lembra a vocês também algo de abusivo em relação à anatomia humana? COLONizar? Bom, deixa eu ir, porque já estou divagando demais.
Marcadores:
pantera negra,
representatividade negra
quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018
Tiago Leifert diz para participante negra que "esse negócio de representatividade não leva a nada"
Tiago Leifert deu um show de grosseria e até de antipatia a grupos de militância na última terça (20). A participante Nayara disse a que veio dentro da casa enquanto negra, de comunidade, jornalista e fez questão de expor seu lado ativista e defender o que acredita.
O que houve?
Então, Tiago Leifert falou para ela, em seu discurso de eliminação, coisas como 'esse negócio de representatividade não leva a nada', como quem justifica que ali é um programa apenas de entretenimento e não para raciocinar.
Tá, mas e daí?
Também reflete a ideologia da mídia de massa, né? Afinal, se o povo começa a questionar seu lugar e o lugar dos ricos donos e contratados da emissora, adivinha o que acontece? Revolução. E é melhor pra eles fazer com que nós, negros ativistas, jornalistas contestadores, pareçamos um bando de revoltadinho neurótico. Aliás, dada a enorme rejeição atribuída a ela (em torno de 92%), não me surpreenderia que a emissora tenha dado uma mãozinha ao público médio sem paciência pra levante de bandeiras ideológicas. Já pensou, a globo dá uma bobeira e Nayara começa a falar sobre a falta de negros em 90% das produções da TV? Seria loko e eu adoraria, mas se eles apoiam golpes políticos, não vão detonar uma moça que defende uma causa de justiça social? Ora veja...
Conclusão
Quando eu começava a simpatizar com ele, Tiago Leifert dá essa bola fora de não só representar (olha que ironia) a mentalidade da classe rica e televisiva brasileira, como também expôs uma pessoa a constrangimento de forma arbitrária. Neste momento, acho Tiago Leifert farinha do mesmo saco rasgado pelo diabo que tantos outros. Alguém lembra do William 'é coisa de preto' Waack. É como eu sempre digo, quem tem algum preconceito, não importa se é amigo de facebook ou sorridentes apresentadores de TV, alguma hora vai soltar uma pérola pra cair a máscara.
Já que falei de Waack, lembram que eu já tinha mencionado internet afora que a Globo só o afastou pra que não queimasse seu filme e não porque é contra o racismo? Pois é, Waack caiu num video em off, Leifert caiu em rede nacional ao vivo. Dizer que uma ação desagradável é coisa de preto quando você nem sabe quem o fez é a mesma coisa que falar pra uma ativista negra que representatividade não leva a nada. Lembro-me de um Programa Eliana quando Gilberto Barros participou de um quadro estilo 'pra quem você tira o chapéu' e ele 'curtiu' Glória Maria. Quando ele começou a justificar sua admiração pela jornalista por vencer na profissão sendo mulher e sendo negra num meio que não dá muitas oportunidades... ZAP! Eliana o cortou pedindo que prosseguisse para a próxima personalidade. Ou Eliana não tinha tantos méritos quanto a colega e se mordeu de inveja ou não gosta muito de lembrar que é de um grupo privilegiado. Mas voltando ao apresentador que não quer ideologias no seu programinha...
Faça-me o favor, dizer que ninguém está interessado pelo lado jornalista de uma pessoa é como dizer que não quer ver seu lado carinhoso, é uma parte de nós, uma nuance do perfil psicológico. Ela não pediu pra escrever uma matéria, apenas usou sua habilidade de observação dos fatos. Mas esse é o Brasil, ou melhor, a camada que o comanda: Não quer ninguém levantando bandeira em um meio de comunicação de massa porque vai despertar muita gente. E povo que pensa não para pra ssistir BBB, no sentido de que não oferece um conteúdo intelectual, tá, não estou dizendo que quem assiste é burro, nada disso. Estou dizendo que numa sociedade mais evoluída, BBB não precisaria lutar contra militâncias. Elas seriam parte possível integrante do seu conteúdo.
O próprio Leifert não faz mais parte do jornalismo, então não deveria criticar jornalistas. Branco e de família abastada, não deveria falar sobre negros pobres e apresentador de TV, não deveria usar seu microfone como arma pra humilhar publicamente pessoas. Ah, e enquanto ser humano, pois infelizmente ele é, também fica muito feio não ter educação. Sobretudo por ser, supostamente, bem criado e com condições que a maioria neste país não tem.
Nunca vi BBB como uma ferramenta de burrice. Apenas não gosto do tipo de programa, mas não julgo quem se entretém nisso. Agora, o que o novo apresentador fez foi um desserviço. Quando eu era moleque, aprendi que se não sei de um assunto, melhor não falar nele, porque alguém pode estar de fora olhando e pensando 'Ei, só fala m...'. E Tiago Leifert se mostrou muito bem formado como apresentador bilingue, afinal, fala português e várias bostas. Até entendo que o público do programa não seja o mais cabeça e politizado pra ficar se falando em causas sociais, muito menos negritude, porque o povo gosta mesmo é de história de superação, até de brother de família rica (?!), mas um pouco de educação e bom caráter, poderia ser usado em um 'olha, vc acha que esse assunto te aproxima do grande público?' e não um 'representatividade não leva a nada/não interessa seu lado jornalista'.
Vamos lembrar um pouquinho Bial e fazer um pequeno discurso sobre Leifert.
Hoje nós temos celulares, enquanto molécula, viramos sociais enxertos de capacidade não tolhida de racionalizar raciocínios e pessoas, então, quem tem telhado de vidro, quando come se lambuza, Tiago, representatividade importa sim! E você é o vencedor do BBB18 no quesito falar besteira! Venha pegar seu troféu Pelé, afinal você é nosso poeta da nova geração. No rol da fama ao lado de Luciano Huck, Jair Bolsonaro, Silas Malafaia, Alexandre Frota e meu vizinho que fica gritando gol quando o time ainda tá passando pelo meio de campo.
Só falta vir a público e dizer que foi mal interpretado ou que foi entendido fora de contexto e que o que importa mesmo é que somos todos humanos. Vivem falando isso depois de soltarem suas opiniões, como se trabalhar com comunicação desse margem pra esses 'escorregões' a toda hora.
Fontes:
https://vejasp.abril.com.br/blog/pop/tiago-leifert-polemica-eliminacao-nayara-bbb18/
https://diversao.r7.com/prisma/odair-braz-jr/tiago-leifert-foi-de-uma-grosseria-total-com-a-eliminada-nayara-21022018
https://www.diarioonline.com.br/entretenimento/fama/noticia-488422-.html
Marcadores:
bbb18,
grosseiro,
nayara,
tiago leifert
quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018
Jojô Toddynho e o tiro no preconceito
Pois bem, li que Jojo Toddynho estaria já definida como a autora do hit do verão carioca de 2018: Que tiro foi esse. Primeiro, pensei que era uma daquelas forçadas de barra da mídia pra fazer vender um produto só na lábia, como aqueles camelôs que te empurram uma mercadoria 'pra acabar', sendo que tem uma caixa novinha pra abrir escondida. Ou ainda, pensei que poderia ser aquelas ondas de influência de público médio, tipo 'espalha que todo mundo gosta que as pessoas vão se sentir na necessidade de gostar também' e aquelas coisas de paris.

Como eu disse, a música tem algo mais, ela gerou um meme: As pessoas se filmam simulando cair 'de tiro' no início da música. E é aí que entra o primeiro ponto do mês passado. Eu, que já tinha ouvido falar na música, nunca tinha visto o tal meme acontecendo, mas fui tocar numa festa em que o dj do intervalo teve que repetir a intro da canção umas 15 vezes pra que vários participantes - adultos e crianças - fizessem a tal brincadeira. Só um adendo: Ri bastante da cara do dj, mal disfarçando o constrangimento. Então, lembrei que vi gente criticando que era uma apologia ao crime, banalização da violência, ou até que só o susto do gesto inusitado já perturbava.
Ora, gente... O refrão fala em tiro, mas dá pra notar já no começo que é uma gíria pra algo no sentido de 'arrebentou a boca do balão' (gíria velha, mas que dá uma noção do sentido do meme atual). E as pessoas caem no chão no sentido de que ficaram tão impressionadas que não só o queixo, mas a pessoa toda tombou de admiração. Aliás, falando em tombar, 'tombar' é um gíria nova - popularizada por Karol Conka e que tem o mesmo sentido, mas em primeira pessoa, partindo de quem fala. Pra resumir, uma pessoa que 'causa um tombamento', ela vai ouvir dos amigos 'que tiro foi esse, viado?', sacou? Ou você vai dizer que 'tombar' é incentivas as pessoas a se jogarem no chão, literalmente?Então, segurem as tarraquetas quanto ao suposto mal da violência sendo ensinada através de Jojô Maronttini (nem ela sabe de onde saiu esse sobrenome artistico, mas entendo ela, pois eu também não poderia usar oficialmente o nome de uma bebida - marca registrada - para fins comerciais próprios).
Já que vimos que Jojô Toddynho/Maronttini não inventou a violência urbana com um bordão irônico, vamos ao outro ponto: Escrevi questionando as críticas da sociedade de que os tempos de hoje estariam muito imorais, que antigamente não era assim. Sei, no país que foi fundado por invasores europeus e que trouxe africanos escravizados há mais de 500 anos, HOJE é que a sociedade está condenada... Na música é a mesma coisa. Vivemos no país onde um grupo criado, há mais de 20 anos no estado mais negro fora da África (Bahia) 'enalteceu' a figura da loira e da morena enquanto as próprias eram vistas como bundas rebolativas em canções de duplo sentido... Também tivemos uma cantora que há 40 anos rebola e geme entre programas de auditório e pornochanchadas e sertanejos nascidos em centros urbanos fazendo pose de playboy caipira que só bebe e transa...
![]() |
Pabblo Vittar e Karol Conka |
Mas tem muito disso, quando a arte parte do povo, a sociedade joga m... de cima pra baixo pra esculachar quem já passa a vida penando em trabalhos duros e pouca grana. Quando um pobre alcança uma evolução social, parece errado pra essa gente que gosta de falar 'tinha que ser pobre'. É bem verdade que há muito pouco de contestação social nas músicas mais populares. Vemos o funk e o pagode, por exemplo, querendo usar o que o rico usa, querendo provar pro vizinho que sabe curtir a vida com o que a mídia ensina como o bonito, mas quase não vemos um desses popstars questionando: 'ae, porque um país tão rico tem tanto pobre?'.
![]() |
Bonde das Maravilhas |
Aguardando os próximo capítulos, onde vão falar que 'sambar na cara' é apologia a agredir os outros com um pisão na face. Quanta bobagem. Agora veja uns exemplares.
O original.
O meme
Marcadores:
funk,
jojo toddynho,
preconceito,
que tiro foi esse
quarta-feira, 31 de janeiro de 2018
Susana Werner e o peso de ser mulher na sociedade
Júlio César, ex-goleiro da seleção brasileira de futebol, aceitou voltar para o Flamengo, time que o projetou, ainda na década de 1990. Essa é a notícia da seção esportiva dos noticiários. Mas, a situação envolve uma questão social aí. Ao aceitar, Júlio demonstrou fazê-lo por si só, por um desejo, uma vaidade de encerrar a carreira onde tudo começou. Sabe, aquele capricho de homem chegando à meia-idade? Então, tem o cara que arranja uma namoradinha novinha, tem o que compra um carro novo possante e, entre outros, tem o que quer se aposentar nos braços da torcida que levantou sua bola, há algumas décadas.
Mas isso trouxe consequências. Susana Werner, ex-modelo, atriz e atual empresária, fez um vídeo onde desabafa sobre a situação. Ela afirma estar bem, mas 'tristinha', enquanto a torcida do 'mais querido' está feliz. Ela informa que a decisão de retornar ao Brasil, foi unilateral, pois, segundo ela, não seria possível pensar em mudar tanto de vida depois de estabelecer a família em Portugal, onde o goleiro atuava até há bem pouco tempo. São seus negócios (ela é dona de loja lá), são as atividades dos filhos (um deles é jogador de futebol), além da própria educação dos garotos, que vivenciam um calendário diferente para o ano letivo, se compararmos o ano brasileiro com o lusitano.

Enfim, o recado foi dado, Susana mostrou ser a mente pensante da família e a pessoa que leva em consideração as vidas e opiniões de quem está à sua volta. Só sinto muito por ela, que ela peça 'desculpas' no vídeo ao dizer que 'homens são egoístas', ainda tentando explicar não ser feminista (como se ser feminista e dizer que homens supervalorizam seus egos fosse algo errado). Sim, nós homens, somos egoístas e isso não é só isoladamente comportamental, é um hábito, um senso comum, uma tendência cultural. E precisa mudar. E é aí que entra o feminismo, também.
Vamos lá, quem é acostumado, desde criança, a brincar como se cuidasse de uma criança (boneca) ou emulando afazeres domésticos (casinha)? Sim, a menina/mulher. O menino/homem que brinca assim, será alvo de olhares e comentários estranhos da maioria dos adultos e de muuuitas outras crianças que vão aprendendo cada um em suas casas a reproduzir essa bizarrice travestida de normalidade. Então, não me surpreende que aprendamos que as meninas têm que tomar conta de casa, lavar, passar, cozinhar, cuidar de filho e que os meninos devem ir para a rua, brincar de bombeiro, astronauta, policial, cowboy ou qualquer coisa que não seja 'de menina'. A noção do brincar para meninas sempre envolve a responsabilidade que herdará da mãe, já o menino, esse é pra sair e se divertir. No caso do exemplo do texto, é pra largar tudo em Portugal e jogar bola com os amigos no Rio de Janeiro.

No mais, fiquemos solidários a Susana Werner e seus filhos e nossos votos de que tudo é uma lição na vida. Ela supera. Como eu disse, muitas não conseguem nem montar uma casa pra criar seus filhos sem marido, então, ter negócios e um patrimônio em Portugal deve ajudar, pelo menos, na parte material. Que bom que ela tem pelo que ficar onde está. Não está sem eira-nem-beira, a dor é no coração e na confiança em quem deveria zelar pelos seus. Mas não tiremos a responsabilidade de Julio Cesar, muito menos vamos amenizar o peso de suas atitudes com o clássico 'ele é homem, é assim mesmo'. Lembrem-se que o maior ídolo do futebol mundial, Pelé, tem uma terrível mancha dessas na vida, ao abandonar uma filha que ele não reconheceu nem com exame de DNA comprovando a paternidade. A mulher já faleceu e nem os netos o cara enxerga. Vergonhoso.
Julio Cesar pode ser egoísta e isso pode ser muito influenciado pela cultura machista em que vivemos. Nem todos se desconstroem, e nem todos se conscientizam, mas o machismo não mata apenas na parte da violência. Será que se Susana é quem fosse tentada a satisfazer um desejo imediato do ego e largasse o cara com as crianças e o emprego, ela seria vista como um motivo pra festejar? Não! Ela seria execrada por ser uma mãe que não pensa nos filhos antes de tudo. Assim deveriam ser os homens também. Na hora de posar de macho-alfa, todo marmanjo parece ter entre as pernas a razão da própria criação do universo. Na hora de declinar um convite inútil simbólico pra continuar ganhando em euro na cidade onde sua família é estabelecida e bem sucedida... aí, bem, aí, o meninão quer brincar com aquele seu carrinho de bombeiro na rua, enquanto a menina 'brinca' de casinha.
Agora veja o que essa atitude do goleiro pareceu:
Fontes: https://noticias.r7.com/prisma/tres-pontos/o-pito-publico-de-susana-em-julio-cesar-e-uma-licao-para-os-homens-30012018
http://www.virgula.com.br/famosos/susana-werner-chora-e-reclama-que-goleiro-julio-cesar-abandonou-a-familia/
Marcadores:
flamengo,
julio cesar,
machismo,
susana werner
terça-feira, 23 de janeiro de 2018
Black-Ish e a tradução mais bizarra de todas
Sabe quando um pequeno detalhe tira todo o peso do
sentido de algo? Tipo, uma vírgula que muda uma frase ou um penteado que muda o
rosto de alguém? Pois bem, isso acontece com uma série em específico muito
legal e eu vou explicar qual é o problema.
Entendendo a série
Black-ish é uma série daquelas típicas ‘sitcom’, mas –
graças a Olodum – não tem risadinhas forçadas, muito menos as piadinhas
forçadas que as estimulam na edição. É a história de uma família negra de
classe média alta e seu ‘líder’ tentando passar para seus filhos a cultura de
negro do subúrbio que ele viveu, mas não seus filhos, dada a condição
financeira/social a que ele pode lhes proporcionar.
Tudo é interessante ali, porque a esposa de Dre (o pai da
família), Bow, é filha de uma mulher negra com um homem branco, então também
entra a questão multirracial (que aqui no Brasil é mais tipicamente miscigenada),
o que também gera situações interessantes para ela mesma e para seus filhos (sério,
assista ao episódio em que ela se vê em crise de identidade por ver seu filho
namorar uma branca e a explicação animada de como a negritude mestiça é vista/se
vê socialmente lá). Também tem a questão do consumismo e poder aquisitivo de
todos e o modo como é mostrado que negros que ascendem socialmente tendem a se
esquecer de suas raízes passando a conviver com mais brancos e com melhor
situação financeira.
Mas então qual o problema, Saga?
Oras, gafas (diminutivo carinhoso para gafanhoto), o
problema é que no Brasil, não temos uma cultura de mídia voltada para o negro
como existe nos EUAses. Lá, mesmo que a maioria raspe a cabeça, estique os fios
ou mesmo use perucas de cabelo lisos, ainda há uma forte noção enquanto grupo sociocultural
com identidade e público próprios. Lembremos que lá teve uma guerra civil e
conflitos urbanos por direitos civis dos negros. Aliás, lá, negros são minoria,
não só em representação social e política, mas também em quantidade
populacional (pouco mais de 10%, até a última vez que li sobre o assunto), então,
lá, o branco é o público ‘top of mind’, aquele principal que a mídia se
interessa.
Sendo assim, a série, enquanto produto comercial, é feito
para negros, em primeiro lugar, e demais raças que se interessem pelo assunto.
Ao contrário daqui, não existe segmentação, o branco sempre é o priorizado,
apesar de o público que assiste aquie é negro/pardo e é mais de 50% da
população. Então, ocorreu um problema na tradução que, acho eu, na minha inútil
opinião, tenha a ver com tudo isso: A falta de representatividade
significativa, falta de conscientização dos responsáveis e traduções ruins.
A tradução não é lá essas coisas
Sempre falo, e já escrevi neste blog, mais de uma dúzia
de vezes, que a sociedade – aqui, nos EUAses e em todo o mundo – o público
privilegiado sempre é o branco. Logo, o branco é o ‘normal’, enquanto nós,
negros deste exemplo, somos o ‘exótico’, aquele que é visto como um brasileiro
com ressalvas (lembro logo que racistas me mandam ‘voltar pra África’, mas não
pensam em ‘voltar pra Europa’). Enfim, sendo assim, a série ganhou uma tradução,
no mínimo, preguiçosa, de tão genérica.
Eu falo, porque, o branco sendo o público-alvo da mídia
brasileira, seria normal não quererem abordar o tema ‘negro’ no título
nacional, afinal, infelizmente, muito negro aqui ainda acha que deve viver à
sombra do branco, e as emissoras são comandadas por brancos ricos que não se
interessam (lembra do horrível Sexo e as Nega?). Só o dia em que o negro abrir
a boca pra gritar, todos ao mesmo tempo, que queremos nos ver mais
representados. Aí, vão se ligar que somos maioria dos consumidores do país, mas
estou divagando. Colocaram o nome, em português, de ‘Família Desajustada’.
Mas o que tem a tradução, afinal, Saga?
É o seguinte, se você traduzir 12 years a Slave como ‘Um
tempão ralando’, daria a noção de que o protagonista passou 12 anos
escravizado? Então, não seria uma boa maneira de traduzir o emblemático 12 Anos de Escravidão, né? Ou Amistad. Imagina
se traduzem o filme como ‘Um navio muito louco’. Não fala que se tratou de um
navio negreiro, saca?
Pois bem, Black-ish traz a temática no nome, que tem até
uma definição do dicionário na abertura dos episódios. Trata-se de algo que
poderia ser traduzido no sentido de ser um assunto relacionado à negritude,
assuntos de uma família negra, sacou? Quando chama de Família Desajustada, eles
podem estar descrevendo qualquer família, porque toda família é, em algum
nível, desajustada.
Como eu falei aqui no blog, se você põe um ator branco
pra interpretar o Super Choque, por exemplo, você descaracteriza o personagem,
pois, ele foi criado negro, justamente, pra ser a representação dos negros de
subúrbio. Um cara branco, além de ser minoria nos guetos, não passaria pelas
mesmas situações e não alcançaria o público negro da mesma forma. A tradução de
Black-ish tem esse efeito. Era pra já trazer no carta ode visita que é uma
temática negra, e se perdeu no título em português.
Família desajustada pode se aplicar a negros, brancos,
chineses, nativos americanos, mas Black-ish é um nome que evoca a série de
corpo e alma. Existem os casos de traduções literais (A Anatomia de Grey/Grey’s
Anatomy) e existem as adaptações fiéis (Era Uma Vez/Once Upon a Time), mas essa,
de Família Desajustada, trabalha ao contrário, dando uma ideia de que o a
temática é de uma família problemática e não de uma família negra aprendendo a
conviver com os tempos diferentes em que a ascensão social melhorou para
alguns.
Enfim, muito besta essa tradução, seria como traduzir
Titanic como ‘Um navio que afunda’, matando o assunto diretamente tratado no
título. Já dá até pra imaginar a descrição do locutor se Black-ish passasse na
globo: Esse tremendo malandrão vai comandar as maiores confusões dessa família
no maior clima de loucuras da pesada. Dá pra imaginar que o público vai
assistir achando que é um pastelão rasgado e não uma discussão bem humorada,
porém direta, sobre a vida de uma família negra e sua localização de identidade
social.
Só hoje em dia é que os valores se inverteram?!
Pessoas que acham que hoje em dia é que os valores estão
invertidos... Aloou!
Vamos pegar o hoje e analisar que há uma falta de ética
tremenda, suborno e desvio de verba pública entre governantes e parlamentares,
até golpe político a gente vê. Temos uma pá de gente apoiando políticos apenas
porque seguem a mesma religião e essa mesma galera apoia gente que esteve lá na
época em que o país estava congelado no passado e afundado em dívidas. Aliás,
alguns dos apoiados dessa turma religiosa, que se diz cristã, mas acumula
riqueza material, contrariando o grande JC, destilam ódio pela sexualidade
alheia, usam religião pra promover discórdia entre seus fiéis e aqueles que não
seguem seu código humano de conduta submissa. Defendem e/ou justificam
violência contra mulher, racismo pra eles é só piada e essas coisas... Ufa... Tá
uma barra, né?
Ok, mas vamos fazer uma regressão nessa linha do tempo
louca só pra gente ver se é só o hoje mesmo que tá caótico, tá? Olha, há uns 12
ou 13 anos, o país ganhava um assunto político tremendo pra se falar em todo
canto. Um esquema de suborno que ganhou o simpático apelido de mensalão. Entre
os mesmos parlamentares que estão lá ainda, se revezando e ganhando o voto do
teimoso do povo que insiste em se gabar de não querer saber de política.
Voltando um pouco mais, lá pelo ano 2000, eu, por
exemplo, entrava nessa loucura de briga de foice chamada mercado de trabalho.
Era governo FHC/PSDB, o desemprego estava nas alturas (exemplos de mudanças
drásticas dentro da minha própria casa com desemprego e privatizações) e meu
primeiro emprego foi uma terceirização ganhando um, então, salário-mínimo: R$
300,00. Aliás, líquido mesmo, era em torno de R$220,00. Concursos públicos
congelados e faculdades públicas sucateadas.

Alguns anos antes, em 1990, o – então – candidato Lula,
era mostrado como um ignorante de pai e mãe pela edição de um debate
tendencioso, onde quem ganhou foi Fernando Collor, expulso da presidência do
país num dos maiores escândalos políticos já vistos por aqui, quiçá, no mundo,
em 1992. A Globo continua apoiando aquela mesma galera e não aprendeu nem a
disfarçar com o tempo. Ah, isso, 5 anos depois de o primeiro presidente eleito
democraticamente ter sido substituído pelo vice, já que falecera sob
circunstâncias estranhas na véspera de assumir o cargo. Esse vice que assumiu
em seu lugar era José Sarney, esse mesmo, dono do Maranhão, pai da Roseana e
que fazia parte de um partido que estava lá nos altos escalões da ditadura.
Aliás, nessa época, 1985, encerrava-se oficialmente, um
período iniciado há uns 50 anos, quando vivíamos sob as botas de chumbo e miras
de morte em uma ditadura que torturava e matava gente só por pensar diferente
do governo (todos que sobreviveram ou ganharam fama de rebelde, louco ou
terrorista). E essa ditadura, veio por meio da deposição de um outro presidente
eleito democraticamente, João Goulart, Jango, apontado em diversas pesquisas da
época como muito querido e popular pelo povo. Defendia a Reforma Agrária... que
até hoje se faz de tudo pra que não ocorra, ao contrário da reforma da
previdência e trabalhista, onde direitos básicos de décadas estão sendo
modificados. Sabe quem apoiou o golpe e se tornou um gigante em sua área de
atuação? Rede Globo. Pois é, a platinada não nasceu esse baluarte da
comunicação. Puxou muito saco pra chegar onde chegou.
Antes desse golpe (que os responsáveis mentiam dizendo
ser uma medida de defesa contra um suposto golpe comunista no país, que nunca
ocorreu e muitos deles hoje admitem que nunca houve essa ameaça), teve a
ditadura de Getúlio Vargas, que era visto como homem do povo, mas enquanto
fazia agrados culturais por um lado, estabelecia suas vontades ideológicas de
acordo com seus aliados, brasileiros ou estadunidenses. Em seu Estado Novo,
1937, a pobreza foi escondida e a negritude foi maquiada de ‘mulato’ ou ‘miscigenado’,
porque pegaria mal uma população predominantemente preta num país que queria –
ele – pra um modelo ‘europeu tropial’ e ainda defendendo o ‘american way of
life’.
E o que houve com a população negra que era escondida da
mídia de Gegê? Duas décadas antes, estava sendo expulsa para a criação de
favelas, subsistência, subemprego (biscates), falta de saneamento, educação e propenso
à criminalidade. E de onde veio isso? Diretamente do fim da escravidão, que, se
hoje reclamam que cotas seriam ‘racismo inverso’, quando assinaram as leis que
foram liberando os negros da ganância e maldade dos brancos fazendeiros,
simplesmente expulsaram essa população das fazendas e jogaram na rua, sem
qualquer plano de inclusão social. Não éramos cidadãos, e sim, ‘aquele neguinho’,
a empregada, o serviçal... aquele que até hoje ‘tem cara de empregado/bandido’...
Enfim... Voltamos numa rápida conversa, coisa de uns 130
anos e vimos que muuuita coisa aconteceu. Se pararmos pra pensar que parece
muito pra um indivíduo, mas para uma sociedade, 130 é o tempo de uma ida ao
banheiro, devido à quantidade de coisas acontecendo ao mesmo tempo. Pense que a
escravidão, sendo um crime contra a humanidade, foi ‘aceita’ por toda a
sociedade, inclusive pelas igrejas (que tinham poder político e nada fizeram
enquanto instituição). E, só no Brasil, essa violência generalizada contra o
negro aconteceu por mais de 300 anos, respingando em seus descendentes até
hoje. Ou seja, mudar hábitos de grupos grandes demora.
Isso porque não abordei os estereópticos preconceituosos com gays, mulheres bonitas e burras, religiões afro discriminadas, exclusão de negros na mídia, representatividade alcançada às duras penas de forma mínima, celebridades falando e fazendo o que querem e saindo impunes enquanto pobres vão presos por nada e não aparece um promotor pra libertá-los, enfim, tendeu, né?
Daí, concluímos o quê? Antigamente não era mais ético nem
mais moral... Só não tinha internet pra espalhar a fofoca.
Marcadores:
ditadura,
ética,
moral,
preconceito
Assédio não é uma inocente cantada
A cultura do assédio é tão naturalizada que muitos nem
sabem diferenciar um flerte de um assédio.
É só se questionar se você está dando opção à pessoa
de dizer não e seguir com a vida.
Se você tenta controlar a decisão de modo a parecer
que a pessoa te deve obediência... Já passou do flerte no primeiro não. É
assédio há tempos essa 'conversa.'
Homens têm muito isso programado pela sociedade, essa
ideia de que o não quer dizer sim e que a mulher só diz não pra fazer o cara
persistir até ela ceder. Olha, num flerte, há troca, a coisa é correspondida,
as cantadas vêm dos dois lados. Se um cara acha que precisa puxar o braço da
mulher, mexer em seu cabelo ao passar por ela numa balada ou ficar ‘sufocando’
a garota, então, esse cara é um assediador – e possivelmente um sociopata.
Vemos sempre notícias do tipo que um cara agride uma
mulher porque ela disse não, aí, o cara se ‘justifica’ dizendo que ela que
provocou (com roupas, gestos e supostos olhares) e não sabe que muito antes da
agressão, ele já agia feito um opressor/agressor/predador. O corpo é dela e a
cabeça é dela, parceiro.
Se ela não quer, não rola. Imagine um machão desses
sendo assediado por um outro homem, por exemplo. Rapidamente o machinho quer
até brigar, porque acha um absurdo. São origens diferentes, mas é a mesma
situação: Alguém querendo ser dono de você quando você quer continuar com sua
vida sem esses malas incomodando.
A cultura do estupro, a cultura do machismo, do assédio,
é tudo página diferente do mesmo livro social que condena a mulher a tudo e
safa o homem de tudo desde de imemoriáveis tempos, porquestão de religiões que
enaltecem homens como os grandes provedores da humanidade e as mulheres como as
que ou traíram ou foram submissas.
Precisamos combater isso e precisamos também – muito –
falar isso entre nós, homens. Questione-se se você se incomoda e porque esse
assunto te incomodaria, pois, se você não vê necessidade de se achar soluções
para lidar e punir o assédio, talvez seja parte do problema. Reflita!
Assinar:
Postagens (Atom)