Crônicas, divagações e contestações sobre injustiças sociais, cultura pop, atualidades e eventuais velharias cult, enfim, tudo sobre a problemática contemporânea.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Nego tem que respeitar


Ultimamente, me vi numa situação complicada. Primeiro, há meses, foi lançado o clipe de Me Solta, de Nego do Borel e, como tento fazer sempre, deixei o barulho inicial passar pra assistir e tirar minhas próprias conclusões sem ruídos de opiniões no calor do momento. Só que em 2018 aconteceu de tudo e nunca me sentia no momento pra poder dar (UIA!) um parecer sem ter palavra ofuscada por algum acontecimento mais urgente. É só ver que teve virada de mesa no carnaval, copa de futebol, eleições e suas respectivas campanhas tomando tempo e abalando relacionamentos e por aí foi...

Virando o ano, continuo assistindo eventualmente o tal clipe pra chegar num momento como este, onde finalmente vou poder falar alguma coisa sobre Nego do Borel e a polêmica ‘gay’ que ele se meteu... na verdade, ele acaba de se meter em outra roubada e foi isso que me fez ver o momento mais oportuno pra opinar publicamente.

Vejamos, quando Me Solta saiu, a galera caiu de pau em cima dele porque ele estaria se apropriando do lugar de fala de gays e trans pra ganhar o chamado ‘pink money’ (lucrar e se tornar mais popular às custas da comunidade lgbt). Confesso que sobre isso não posso falar muito, não sou dono desse lugar de fala. Apenas achei mais um personagem visando a.... er... visibilidade que essas situações acarretam. Enfim, por ideologia ou puro oportunismo, achei que ele só queria chamar atenção e ganhar likes, views e se manter na boca do povo, nessa sociedade de assuntos cada vez mais velozes e efêmeros.

Ok, Pink Money, pegou mal com a galera arco-íris e eu saquei cada lado que falou sobre. Mas também gerou muita homofobia, afinal, é nesse clipe que ele dá o famigerado beijo (é, só beijo, porque beijo gay não existe, existe beijo e quem tá beijando. Idoso beijando é beijo idoso? Então...). Admito que quando finalmente assisti, não entendi porque de tanta falação, ódio e piadinhas preconceituosas. Se ele é gay, se era uma brincadeira que ele levou a sério ou se ele apenas foi um ator, problema dele. Um beijo que não dura 5 segundos, num contexto musical em que ele se (tra)veste de uma personagem que se afirma querendo dançar sem intervenções e deixando claro que pode sim parar pra ‘pegar’ alguém e voltar pra curtição. Se a tal ‘Nega da Borelli’ é um personagem clichê, estereótipo, se já existia antes ou o escambau a quatro, não me interessa. Tá acompanhando até aqui? Personagem gay, provável oportunismo midiático, preconceito, homofobia, beijo entre homens e ele conseguindo ser notícia. Ok? Ok.

Eu já tinha preparado uma defesa há tempos, principalmente pelos artistas que participam do clipe. Numa sociedade hipócrita que não se queixa da falta de negros na TV do país com mais negros fora da África, ninguém fez notícia em cima do fato de que os figurantes e dançarinos do clipe são maioria negra. Aliás, tem negros, gordos, sei lá, possivelmente gays, enfim, vários tipo, estando meio que na cara que ou são moradores da própria comunidade onde se passa o clipe, ou pelo menos, são artistas de companhias e grupos de classes sociais menos abastadas, ou seja, gerou emprego pra preto e pobre e isso conta ponto a favor do cara...



Como Seu Sandoval Quaresma (do saudoso Brandão Filho, em A Escolinha do Professor Raimundo), entre erros e acertos, tudo indicava que pelo menos midiaticamente, Nego do Borel ia ganhar um 10, por saber chamar atenção nos tempos em que a internet dispersa pensamentos e por empregar preto pobre na mesma mídia que enxerta brancos em todo canto de funk, hip hop e samba/pagode. Popularesco, representativo e empreendedor. Parabéns, certo? Errado! O Sandoval pretim acertou antes, com alguma polêmica, certo, mas no último sábado deu um vacilo que jogou bem contra a questão com lgbts.

A travesti Luisa Marilac - a dos 'bons drink', famosa na internet pelo meme/bordão ‘se isso é tá na pior, porran!’, foi lá no instagram de Nego do Borel elogia-lo por uma foto. Com emotis, carinhas e elogios, ela demonstrava seu carinho e admiração de fã do funkeiro. E o que ele faz? Responde com ironia transfóbica, se referindo à Luísa como homem, numa óbvia reação ‘machinho da mamãe’, que não aceita ser elogiado por um gay/trans. Ele acjhou o quê? Que se só respondesse ‘obrigado pelo carinho’ estaria se queimando? Logo ele, a Nega da Borelli daquele clipe que comecei falando lá no alto do texto? Pô, Nego! Vacilo, hein!

Já li recentemente que Luísa perdeu trabalho por causa da ‘treta’, pois o anunciante não gosta de ‘barraco’, Nego já veio a público se desculpar (como de praxe, pra apagar incêndios com a opinião pública, fãs, patrocinadores e contratantes) e a coisa deve ficar por isso mesmo. Luísa, aliás, mandou um papo reto, sugeriu que o artista (o qual ela deixou de seguir nas redes sociais) amadureça e aprenda a respeitar o próximo. E não tá errada não, hein! A pessoa conseguiu deixar de se prostituir pra viver como digital influencer (é assim quem chama hoje?) e isso tudo sendo quem é e vem um meninão fazer piada com uma parte da personalidade que compõe aquele ser humano? Faça-me o favor, né?



Como eu disse, Sandoval Quaresma era aquele personagem que ia respondendo tudo bem até a hora que oe professor lançava a pergunta final 'pra ganhar o 10' e ele inventava um monte de baboseira (que, no caso dele, era a graça do personagem) e acabava, com muito custo, ganhando um 4, ou um 6... Mas no caso do nosso querido Nego Quaresma, essa última dele foi 0, tão grande quanto o tamanco que ele usou no clipe de Me Solta. Enquanto isso, que Luísa não deixe esse mal-estar lhe derrubar o psicológico, que disseram que ela estava na pior, mas se isso é tá na pior... 





Tem que fazer igual menina Maísa Silva. Silvio Santos perguntou à jovem atriz se ela sabia o que é uma 'bicha' e a resposta da moça foi simplesmente: "É uma designação muito antiga e inadequada para homossexuais masculinos". Aprendeu, Nego, como é que se faz?

Porran, Nego tem que se desconstruir!


Fontes: 


terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Sobre representatividade: "Ma, Saga, naquele tempo era assim..."

Há quase 10 anos que eu assisto TV fechada e tenho várias análises a respeito desse universo. Desde as mudanças socioculturais que influenciaram em seu conteúdo (como o tipo de programas, aumento na dublagem, visando o público 'Classe C emergente', o crescimento de campanhas publicitárias onde era praticamente sobre a própria programação (trava-língua essa, hein) e se tornou quase o mesmo merchan da TV aberta, etc...). E a observação/divagação da vez é sobre representatividade, ou melhor, a representatividade ao longo dos tempos.

Porque é uma situação recorrente: A gente critica alguma produção e vem alguém de lá pra dizer "ain, mas não dá pra fazer a análise de hoje com algo do passado". Olha, já adianto que dá sim, porque questões socioculturais e políticas não são acontecimentos isolados. São parte de um processo que envolve a própria sociedade.

"Saga, você tá sendo muito técnico, fala em português".

Ok, falando em português, tem aquela que o português olha uma casca de banana e... BRINQS!

Vamos lá, trocando em miúdos: O que muitos acham que é apenas lembrança, como um capítulo de um livro, no frigir dos ovos, é uma parte desse imenso filme que se chama a história do mundo. E vou provar isso com um rápido estudo de casos informal (e diria tão mal organizado quanto bem intencionado - Rá!).

Resultado de imagem para friendsA primeira e principal série citada nesses casos é Friends. Vemos meia dúzia de jovens neuróticos e bonitos, brancos toda vida, vivendo o cotidiano agitado e sexy da Nova York de meados dos anos de 1990. De vez em quando, brotava um negro como segurança, figurante, recepcionista, etc. Às vezes. Até que em duas temporadas distintas, há participações de negros com algo mais do que papel de escada/figuração dos protagonistas brancos classe média. Estou falando de Gabrielle Union e Aisha Tyler.



O curioso é que ambas as atrizes foram escaladas para papéis de interesses amorosos de Ross e Joey simultaneamente. Union é uma nova vizinha objeto de uma aposta na disputa por sair com ela e Tyler, é uma doutora renomada que inicialmente sai com Joey, mas acaba se interessando por Ross, por terem os mesmos interesses intelectuais. Mas a pegadinha é que ela se torna tão volúvel quando assumem o relacionamento, que ela volta com um ex antigo na frente de Ross. Representou, né? (leia este último trecho com muita ironia).

Enfim, aí, a galera vem com aquele papo tão ou mais chapa-branca que a própria série, de que naqueles tempos era diferente, não se via a representatividade como hoje... É? Friends foi de 1994 a 2004. Eu imagino que a audiência jovem de hoje, na casa dos 20 anos, possa até achar que Friends é muito antiga, do tempo dos seus pais, mas pra quem tá beirando os 40, que nem eu, ela soa datada, mas não tão antiga. E durou 10 anos. DEZ ANOS com participações mínimas de negros. Além das duas moças que chegaram perto do elenco principal com alguma relação, foram espalhados negros pelas cozinhas, portarias, recepções ou naqueles papéis condescendentes, tipo o chefe durão, a diretora mandona e só. Muitos nem nomes tinham, apenas 'segurança 2', 'motorista de taxi 1'.

"Ain, Saga, ainda não me convenci. Friends é de outra época.". Ok, você ainda pode lembrar do nacional Sai de Baixo, que durou de 1996 a 2002. Sem negros no elenco principal e nas muitas participações, foram escassos. Lembro muito nitidamente, assim de primeira, do Tony Tornado, como um rei africano (pegou a visão?).

Resultado de imagem para how i met your motherVamos pra outro exemplo de grande sucesso estadunidense e internacional: How I Met Your Mother (HIMYM). Cinco protagonistas, ou melhor, um protagonista e seus amigos por 10 anos buscando a tal mãe dos filhos dele (que mal aparece e a gente descobre que morreu - spoiller!?). Essa é conhecida por alguns como uma versão mais descolada de Friends (modelos bem sucedidos na mídia fazem escola, isso é inegável, até porque, 'um bar é melhor do que uma cafeteria').

Mas o curioso dessa série não é a falta de representatividade, mas a representatividade um tanto forçada que lançaram. Novamente, toda sorte de brancos no elenco principal, recorrente, participações especiais e figurações, até que você chega a uma participação negra com alguma relevância na série: O meio-irmão de Barney, James. Ele é gay e negro e isso, por si só, já seria um sinal dos novos tempos, já que a série nasceu depois (ela nasceu em 2005, um ano após Friends encerrar e terminou em 2014).

Tipo, não tinham onde enfiar um personagem com importância moderada pra ser representativo e lançaram, num personagem só, duas 'minorias' da população de lá. Estranho ele não ter alguma ascendência asiática, ser vegano, hipster e nerd. Não é que não possa haver negros gays no meio da série, mas neste caso, ficou bem forçado, visto que nenhum outro personagem próximo do elenco principal é negro ou gay. Lembra que Chandler, de Friends, em tese, seria gay numa revisão de roteiro antes da definitiva (o que soa esquisito, já que foram 10 anos de piadas homofóbicas de Ross sobre sua ex com a companheira dela e com o próprio Chandler). Mas estamos falando de HIMYM.

Imagem relacionadaAliás, falei sobre a representatividade forçada no irmão de Barney e lembrei de outras duas séries. A primeira é Young and Hungry (Jovem e Gourmet, no Brasil). A série foi de 2014 a 2018, bem mais atual que todas aqui e a representatividade nela era um gay asiático afetado (vou citar já já outro exemplo do estereótipo), a empregada do mocinho branco rico, Yolanda, uma mulher preta de gênio explosivo e a melhor amiga da protagonista branca, que era de ascendência latina. Representou? Não. É só olhar meia hora da série que além de ser um amontoado de clichês de comédias românticas/sitcoms, o roteiro é pífio e os serviçais estereotipados só aparecem pra fazerem suas piadas preconceituosas (naquela ideia de que o alvo fazendo piada consigo mesmo não soaria tão agressivo). Piada pra branco rir.

Resultado de imagem para superstoreFalei que ia citar outro asiático com trejeitos afeminados e com ares de estilo alternativo, mas citarei dois. Two Broke Girls (2011-2017), tinha lá o gerente da lanchonete onde as protagonistas trabalhavam, Han. E em Superstore, temos Mateo. A série começou em 2015 e ainda está sendo produzida. Bem atual, né? E aí, ainda acha que de Friends pra cá tem tanto tempo assim, quando se considera o passar dos anos em sequência e não empacotado num box de dvd empoeirado apoiando o celular passando Netflix?

Não é que não possa ter esse tipo de personagem, mas quero mostrar aqui que a representatividade, muitas vezes, é só uma muleta pra série passar por inclusiva e agregadora, mas estabelece apenas um enxerto e não uma situação que parecesse de fato natural naquele contexto. Mas não acabou, ainda, deixei a mais chamativa do momento por último, apesar de que tem muita coisa que já foi fala aqui, mas você já vai entender o porquê - que foi anunciada lá no começo.

The Big Bang Theory, finalmente, vai acabar. Graças! A série até tem lá seus momentos de risos, boas sacadas do universo nerd, mas é uma porcaria de um bullying visto pelo lado de dentro da janela, né? Convenhamos, a protagonista mesmo é a Penny, que olha de fora e faz o deboche com aquele mundo recluso da cultura pop/nerd. E com o tempo, a série foi perdendo o pouco apelo original, da pegada científica e tals pra ser só um monte de piadas pejorativas contadas pelos próprios alvos delas (Stuart, argh!).

Resultado de imagem para the big bang theoryMas a situação da comédia (trocadilho bom, hein!) é que seguiu o modelo Friends de ser. Deixe tudo de lado e dê foco nas relações. E é aquilo, virou uma grande terapia de casais brancos, piadas preconceituosas, pais desajustados, mother issues, um montão de contradições de roteiro, estereótipos de pessoas socialmente arredias e a única mulher do elenco original que não tem um sobrenome até que se casa com o protagonista josé mayer dos nerds e adota seu sobrenome.

Bem, a série é do Chuck Lorre e você já deve ter reparado que suas obras sempre começam com meia dúzia de episódios com uma ideia minimamente original e tudo descamba para as piadas de sexo, bebidas, drogas, amarguras familiares e o fatal momento da lição de amizade ao fim do episódio. Sério, assista a qualquer coisa de Two and a Half Men, Mom, Mike & Molly, além da própria TBBT. Que, aliás, voltando, ao tema, conseguiu seguir tanto a fórmula de Friends que ou você admite que esse papo de outra época não cola ou estamos ainda em 1994, quando tudo era, supostamente, diferente.

Veja, os negros da série são tipo Raj (ou o paquistanês Timmy, de Rules of Engagement - 2007 - 2013). Só aparecem pra servirem de piada racista naquela fórmula de tentar soar menos escroto se o alvo é seu amigo. É aquele bullying que tenta te convencer que as risadas são COM você e não DE você. E porque mais a chefe dos protagonistas, negra, aparece? Sheldon, por exemplo, que já deixou de ser o antissocial pra ser apenas um cara arrogante, faz comentários racistas o tempo todo perto dela.

Olha que 'legal', numa série que conseguiu repetir a mesma atriz negra em três personagens recepcionistas/enfermeira diferentes ao longo da série, dá a outra um personagem fixo em um cargo de chefia apenas para ela ser alvo de chacota. Ou seja, o protagonista está fazendo uma piada babaca, a plateia gravada está rindo pra te induzir a rir dela. Repare, que o nerd é alvo de preconceito, a série reforça esse preconceito e outros.

Enfim, é isso, e olha que não citei muitas outras séries com pouca ou nenhuma representatividade (lembrando que negros estarem presentes não significa representatividade, muitas vezes estamos representando o racismo reforçado). Muitas dessas série internacionais são feitas pelo branco, visto que nos EUAses as etnias são bem definidas, diferente da miscigenação que aconteceu aqui no brasil. Isso explica que lá tenha o público alvo branco e o público alvo preto, latino, asiático, etc. Agora não explica aqui no Brasil, onde a maioria da população é preta/parda e não se vê na tela. Assista Toma Lá Dá Cá, Pé na Cova, o já citado Sai de Baixo, novelas em geral, programas de TV, etc...

Por lá, veja também Mad About You, Blossom, Seinfeld (que inclusive tem um episódio onde George resolve provar que não é racista e tenta fazer amizade com todos os negros que já participaram da série e leva um detetizador para almoçar com seu chefe também negro), Supernatural, etc... E repare que citei séries de 1994 até hoje. Séries duraram 10 anos ou mais, que atravessaram épocas e nunca tiveram a sacada de falar 'ei, vamos fazer algo novo e incluir tipos diferentes do branco médio'. Até acontece no modelo minoria, tipo Donald Glover em Community ou Iris West em Flash, bem inseridos no universo branco, mas se falarem que é de uma época quando praticamente não soava errado, Um Maluco no Pedaço (Will Smith) é de 1992 e The Cosby Show é de uma década anterior. Enquanto aqui o negro só aparece em alguma quantidade se a novela tratar de escravidão, porque até favela é branca na telinha.

Então, quando vemos o negro de forma periférica em obras que representam uma sociedade que ele ergueu à força pro branco viver, sim, isso incomoda. Já cansamos desse lugar sem background, sem vida, sem família, sem romance, enfim, sem ser visto como um cidadão completo e não o empregado pra transar e abrir portas e servir café.
Powered By Blogger