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terça-feira, 16 de julho de 2019

Scarlett Johansson e a polêmica da representatividade


Scarlett Johansson teria dito, recentemente, que a arte deveria ser livre e que limitar papéis em nome da diversidade seria privar o artista da liberdade de interpretar quem ou o que quer que fosse. Ou algo que o valha...

Já digo, de antemão, que ela não tá errada não. A arte, realmente, é algo subjetivo e sensorial que não deveria ter um filtro ou um manual pra ser exercida ou recebida. Mas, aí, temos um grande filtro – ou canal, como prefiro me referir – chamado humanidade. E não to falando bonito do conceito filosófico de humanidade, embora esbarre nisso também. Estou falando do ser humano em si, do fato de que ideias, sentimentos e tudo mais no campo do pensamento, passe pela cabeça humana.

Veja bem, sou fã da jovem Johansson desde sua entrada no Universo Cinematográfico Marvel (e de sua praticamente desconhecida carreira musical, sim, ela canta e bem) pois achei que ela foi uma importante adição enquanto atriz e mulher de grande valor num mundo e numa indústria essencialmente machista. Só por isso, vou acreditar – salvo se houver confirmação contrária depois – que suas palavras foram distorcidas pela edição da revista à qual concedeu entrevista sobre o assunto.

“E qual é o assunto, Saga?”, calma que eu vou falar. Acontece que há exemplo da oportunidade recente em que Scarlett aceitou – não sem grande polêmica – viver uma personagem japonesa (Ghost in the Shell), ela se viu, de novo, em meio a um burburinho pesado ao ser cogitada para viver um homem trans em outro filme. E foi aí que ativistas e internautas curiosos foram pra cima da bela branca, magra, mulher cis que é a formosa atriz.

Ao que tudo indica, ela pode sim, ter sido manipulada para que a tal revista gerasse audiência em cima do histórico de ‘não representatividade’ da moça. Oras, parece lógico que nesse mundo capitalista onde se apela pra qualquer estratégia pra se levar mais e mais dinheiro em tudo, eles tenham maliciosamente falado “chama aquela menina que já deu o que falar interpretando um robô deprê japonês com questões existenciais e pergunta o que ela acha de não poder fazer um transgênero também”.

Ela aceitou, eles – provavelmente – escolheram a forma mais ácida de citar as falas da gatinha e – ZAZ – temos a matéria e uma enxurrada de cliques e views na nossa página. Até porque, seja por exame de consciência, apagamento de incêndio ou só pra limpar a barra mesmo, a própria atriz falou que seu mundo ideal é feito de arte livre a todos, seja pessoa ou árvore que você interpreta. Mas que ela está ciente que uma mulher cisgênero branca – que é o caso dela – tem muito mais oportunidades do que uma japonesa – em Hollywood – ou uma pessoa trans.

Em tempo, não é o caso de se comparar com mudanças de gênero ou etnia de personagens antigos. Falo isso porque sempre tem aquele idiota desinformado que questiona sem pesquisar: “Ain, mas e se o Pantera Negra fosse branco?”. Já falei aqui diversas vezes sobre isso. Existem inúmeros personagens que só foram criados brancos porque era o público de maior poder de compra lá nas décadas passadas (1960, para a maioria das criações Marvel, por exemplo). Outros, como o próprio Pantera, já foram criados para representar justamente o grupo do qual faz parte.

Tipo, Ariel, a Pequena Sereia não precisa ser branca, até porque, existe sereia em várias culturas, desde a apropriadora da Grécia até as africanas, ou você nunca estudou sobre Iemanjá, Oxum, ou mesmo as indígenas brasileiras Iara e Janaína? Então, se você for questionar que uma negra não pode ser uma sereia, acho que você precisa saber que sereias não existem. Elas podem ser imaginadas até com a pele cinza, já que são basicamente, peixes.

Ninguém questiona que o australiano Chris Hemsworth interprete um deus nórdico, mas todos estão ok em criticar a negra Tessa Thompson como Valquíria. Nenhum deles é nórdico e, em último caso, nenhum deles é uma divindade! Então... é diferente. Scarlett se tocou que aceitar um papel de um grupo de ‘minoria’ do qual não pertence seria uma bola fora por tirar a oportunidade de alguém brilhar em seu espaço comum.

Então, conclusão minha, Scarlett Johansson está certíssima em defender que arte é algo do imaginário, que deveria ser aberta a tudo... mas também concordo que a arte aberta nesse mundo atual, só contemplaria os brancos, como fez antigamente. Veja pela história a quantidade de brancos que interpretaram outras etnias só porque a indústria branca não suportaria ver negros, índios, japoneses e outras etnias brilharem no seu mundinho de panela fechada de privilégios e corporativismo.

Não é que uma mulher branca cis não possa interpretar um homem trans, é que cada vez que ela aceita um papel desses, deixa pra trás pessoas que poderiam interpretar igual ou mais lindamente ainda por conhecer esse mundo por dentro. E servir de espelho para outros iguais. Lembram de Whoopi Goldberg quando viu Nichelle Nichols como Tenente Uhura em Star Trek e pensou que poderia estar ali, ou seja, ser uma negra na TV e não ser só sempre a empregada/escrava? Então...

De um branco – e racista - John Wayne interpretando um asiático ao brasileiro caucasiano Sérgio Cardoso fazendo um negro (com algodão por dentro da boca e do nariz pra imitar a fala e feições negras num elenco que tinha Milton Gonçalves ali do lado), toda a indústria do entretenimento só está aprendendo que outras etnias já são numerosas o bastante pra vender tanto quanto seus colegas brancos recentemente. Agora eu faço uma pergunta cretina reducionista pra simplificar ao extremo: Já pensou se a Viúva Negra fosse um cara vestido de mulher porque mulheres protagonistas ‘não vendem tão bem’?

Pense nisso!   


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