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terça-feira, 29 de outubro de 2019

Fernanda Gentil diz respeitar homofobia e racismo, desde que não batam



Fernanda Gentil causou alvoroço alguns anos atrás quando se revelou homossexual e chegou a enfrentar a homofobia na internet de forma elegante, sutil, porém firme. Quem não lembra do: “Sapatão!”/“Oi, fala!” e de quando ela explicou que a criação de um filho não depende da sexualidade de quem o cria e sim do caráter que vai ser passado. Pô, eu achava isso de uma lindeza tamanha! Tava no mesmo nível de Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank enfrentando racismo por ofensas sofridas pela filha. Só que o tempo passa e como diz Harvey Dent – umas mil vezes, em Batman: O Cavaleiro das Trevas – “Ou você morre cedo como herói ou vive o bastante pra se tornar um vilão”. Era algo assim, não lembro, mas estou divagando...

Digo, Tiago Leifert, por exemplo, parecia ser uma cara nova e legal no esporte da Globo, do tipo que falava não esquentar a cabeça com nada porque no ano seguinte, começava tudo de novo e não tinha porque brigar por time de futebol, por exemplo. Aí, ele começou a criticar atletas que levavam para os campos, quadras e pistas suas manifestações sociais. Pegou mal, já que um homem branco, rico e famoso não tem o direito de onde e quando negros devem fazer seus protestos pelo que sofrem na vida. Até porque, se esporte e política não se misturam, porque se canta o hino nacional antes de competições? Então, Tiaguito ainda aprontou mais. Criticou ferrenhamente participantes do BBB que levaram para a casa vigiada suas questões de militância até que passou a levar seu discurso aberto e pessoal de que ‘representatividade não leva a nada’ (te falei que ele só criticou os negros, né?). Já pensou se eu, homem, começasse a dizer às mulheres que exigir respeito e igualdade é perda de tempo? Que tipo de babaca tendencioso eu seria? Mas, graça Olodum, eu não! Já outros...

Então, Tiago não só foi grosseiro com uma jovem militante como usou argumentos fracos e pouco educados de que ela deveria falar dela e não de sua militância. Ela explicou bem que sua militância era por algo que fazia parte dela, que é ser negra. Mas o sinhozinho não gosta do descendente do povo escravizado no passado reclamando, né? Vai atrapalhar seu jogo de vídeo game. A cereja do bolo é que em uma edição seguinte, Leifert – lembra que ele era o descolado e cuca fresca há menos de dez anos? – elogiou uma vencedora do BBB com o discurso de que ela tinha coragem e coisas do tipo... A saber, era uma participante que passou a edição falando livremente que duvidava que um morador de favela não usasse drogas, que a religião afro era algo pra se temer ou que um playboy criminoso não o parecia por ser branco. Tiago defendeu a pessoa que falou isso na noite da premiação. Entendeu o padrão? Negros, calem-se e racistas, parabéns! Provavelmente as congratulações foram por ganharem dos negros.

Aí, aparece Fernanda Gentil e, recentemente, sem revelar em quem votou na última eleição presidencial, que ninguém vai impedi-la de usar essa ou aquela camisa (numa clara referência à camisa da CBF). Disse também que seu partido é o Brasil. Mas esse nem é o pior. Ela apoiar Luciano Huck (bolsominion assumido) em dizer que não votou no PT e nunca votaria? Tranquilo, o PT governou por um bom tempo e trouxe coisas boas e ruins, como toda administração, mas não é o único partido. E gente rica geralmente não vota em quem ajuda o pobre. Eles querem ajudar lá de suas salas confortáveis, prestando algum assistencialismo em troca de audiência, mas não querem um desenvolvimento social real. No apagar das câmeras, é só voltar à sua mansão e sua boa vida. Nada disso me incomoda tanto hoje... HOJE! Mas realmente me gerou inquietação ela, gay assumida, dizer que respeita quem acha beijo gay um crime e quem é racista, desde que o preconceituoso não agrida os alvos do seu ódio.

Existe um mundo de coisa errada nessa fala que, pra mim, é o mesmo que dizer ‘estupra, mas não mata’. Vou tentar enumerar as implicações de uma fala tão desastrada e condescendente com crimes de ódio:
1)      O primeiro e mais básico é que racismo e homofobia são crimes, portanto, você dizer que respeita, está, basicamente respeitando criminosos. É o mesmo que dizer que respeita sequestradores, traficantes, estelionatários, feminicidas e grande elenco.

2)      Ao dizer que entende essa galera, você embasa seus discursos que, no mínimo, podem começar com ‘a Fernanda Gentil concorda, então tá certo’, assim como usam negros comprados por racistas com ‘ele é negro e fala isso, então você que te errado’.

3)      Fernanda, pra ser realmente Gentil, precisa – URGENTEMENTE – entender que discurso de ódio também é crime e também afeta as pessoas. Só de ouvir ou ler alguma ofensa, ameaça, etc, o psicológico das pessoas fica afetado. Palavras também transmitem crimes. Veja que ameaçar alguém pode te levar pra cadeia pelo perigo que oferece à vítima.

4)      Já que falamos em palavras e vítimas, é muito fácil para ela defender o discurso de criminosos porque é branca, rica e famosa. Dificilmente ela sente o ódio violento físico. Ela não faz parte do grupo mais vulnerável, aquele que não vai adiantar pedir pra não apanhar. Tem gente morrendo aos montes na rua só por ser negra, só por ser gay.

Enfim, é isso. Não me interessa se ela votou no bolsomala ou se ela odeia o PT só porque sim. Mas validar discurso de ódio e tentar se passar por moralmente consciente ao pedir que ‘não vai bater’ é um desserviço à sociedade. Se era pra chamar atenção, valia muito mais o fazer em defesa e não ao respeitar que não respeita um grupo do qual ela mesma faz parte.

Às vezes, ao tentar ser isento demais, o ser humano comprova que defende o lado opressor. Mas tem vergonha de falar e receber críticas mais pesadas. Era melhor que ficasse quieta seguindo seu próprio conselho "é só não bater". Ela chegou a fazer uma retratação pelo Instagram. Não vou julgar, esse texto é uma reação à publicação que gerou a polêmica, mas o velho papo de que a edição desfavoreceu é aquilo, né? Sempre é possível, nem sempre provável. 



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