Crônicas, divagações e contestações sobre injustiças sociais, cultura pop, atualidades e eventuais velharias cult, enfim, tudo sobre a problemática contemporânea.

quinta-feira, 19 de março de 2015

"Nego", "Neguinho", "Neguim" é f...



E já explicando o título, sim, é f... É f... ouvir isso, ser chamado disso e não é pela palavra em si. É pelo significado, porque palavras, você sabe, são frias expressões, mas dependendo do contexto, elas ganham significados e isso é que faz o juízo de valor sobre elas. Como as palavras do título, que depois da escravidão até ganharam um viés carinhoso, em certas horas, mas surgiram - e ainda são muito usadas - como definições de identidade de um estereótipo não humano: O negro escravo. Por isso, até hoje, as pessoas ainda têm reservas em usar os termos com medo de parecer ofensa - e é pra ter, pergunte, a gente responde, mas pergunte pra quem entende, não só porque é negro, porque tem muito irmão que se aceita alvo de piada e ofensa pra parecer legal. Falo disso depois.



Racismo gera constrangimento. Em todos. É um costume que começou com a escravidão e extrapolou a abolição. Daí, dizermos que a abolição apenas estabeleceu uma lei de motivações políticas, mas nada, nada sociais. Visto que a maravilhosa lei foi escrita e assinada, mas o povo contemplado (o negro, diretamente e a sociedade como um todo) não se viu livre do racismo, nem incluso em qualquer programa de inclusão social por parte do mesmo governo que “libertou” os escravos. Enfim, não vou ficar falando em escravidão aqui porque demandaria muita informação, apenas citando-a para começar a conversa já basta.

A questão é que o racismo gera constrangimento, não porque seja da natureza, mas porque a sociedade tenta segurar com a mão um pequeno furacão. A ilustração é pra demonstrar como as pessoas lidam com um assunto que não entendem, mas sabem que está lá. Melhor negar, melhor largar de mão, fingir que nada aconteceu e seguir como se a natureza tivesse estabelecido. É o filho que não quer limpar a casa quando o pai viaja. Vamos evitar a fadiga. Vamos? Não. Vamos tocar na ferida e a bola da vez é o termo ‘neguinho’ no sentido em que deveria ser usado ‘alguém’. Veja bem, desde a escravidão que usar termos pra determinar a etnia negra é ofensa. Imagina, mais de 300 anos vendo a palavra ‘negro’ (e variáveis como negão, neguinho, nego, preto...) sendo empregada no momento de uma chibatada, um cavalo arrastando um corpo por uma corda, queimaduras de ferro quente pra marcar as iniciais do senhor do engenho, apontar culpas, etc... Por esse prisma, é perfeitamente natural a sociedade não querer falar sobre isso. Envolve apontar responsabilidades, se não por fazer, por deixar ser feito, ou por não se pronunciar ao ver sendo feito. Muita gente ‘adora negros’, mas tem sempre uma ofensa racista na ponta da língua se um negro lhe ofende, fecha o carro no trânsito, etc. Quando não faz "de brincadeira", exatamente como qualquer sinhazinha fazia com a mucama.

Mesmo depois do açoite, ser negro ainda é ser alvo da maldade do racismo.

Então, voltemos ao ‘neguinho’. Neguinho, na escravidão era uma ofensa, uma necessidade de diferenciação entre pessoas que, claramente, tendia a menosprezar a etnia/raça do negro. Veja como negro é uma forma de estereotipar, mas branco, por exemplo, não é. Você não vê ‘branquinho’ fazendo isso e aquilo. Você não vê falarem em ‘serviço de branco’, nem nada disso. Nem pra elogiar, pois, na nossa sociedade, o branco é o normal estabelecido, pois é a base do colonizador e, nos tempos de hoje, o referencial da mídia, mesmo que estejamos no país mais negro fora de África. Então, o negro fica como ofensa e ponto, não em competição com o branco, pois branco não foi escravizado e não passou pelo processo de desumanização da escravidão e depois pelos livros de história convencionais (onde o negro é um coadjuvante que ficou lá sentado esperando Isabel libertá-los - #sqn). Há um certo sentido lógico no desconforto que muitos sentem em se assumirem negros ou apontarem pra alguém e falarem ‘ele é negro’. Ainda mais hoje em dia, com tanta informação sobre racismo correndo solta. As pessoas têm o inconsciente de que é racismo, mas não querem admitir, porque nem entendem como seria se fosse diferente. "E eu tenho culpa?", já diz a pessoa que não vê cores nem etnias, mas assume inconscientemente sua posição de privilégio racial na sociedade (geralmente é contra cotas, por nã entender nada do que estamos falando aqui). 'É natural e se contestar fizer com que elas saiam do lugar comum, da zona de conforto, melhor manter tudo como está e o "neguinho" que se vire.

Negros vivendo em sistema de escravidão.

“Vem logo neguinho pra falar...”, “nego inventa...”, “neguinho é sinistro...” tudo isso é racismo introjetado na sociedade. “Ain, Saga, mas todo mundo fala assim, até os negros”. Sim, gafanhoto, mas muita gente também mata, rouba e lê Veja revistas de fofocas políticas, mas você não acha tão normal assim só porque é algo que se faz há muito tempo no mundo, né? Tenho visto pelos Zaps da vida muita gente compartilhando umas montagens bem escrotas com dizeres nessa linha ‘nego/neguinho faz/fala isso/aquilo’. Não me posicionei nesses grupos sobre isso porque é socar ponta de faca, já que a maioria vai na maré que falei, de que é normal, 'só uma piada', sobretudo no atual momento em que vivemos um imediatismo quase suicida de tudo que surge agora é o melhor/pior do mundo e um minuto depois ninguém se importa. É, as redes sociais evoluem e isso não é necessariamente uma coisa boa, mas tem remédio. O papo é que ‘neguim’ é um termo pejorativo. Sim, pejorativo e não adianta mandar o papo ‘sexo e aR nega’ de que a palavra pode ser usada com carinho. Sei que pode, mas não estou falando do seu caso específico, nem de ninguém individualmente, estamos falando aqui de cultura, sociologia, comportamento social ao longo da história e seus reflexos no hoje. E a nossa sociedade está com o racismo dentro da receita, como o ingrediente adicionado à massa ainda no preparo e não jogado superficialmente depois do bolo já pronto. Assim seria fácil.

O homem branco é o senhor, dono, proprietário dos cinco outros homens negros e mulatos. Os outros se encontram atrás. O primeiro à esquerda do senhor é mulato, está bem vestido. Ao contrário dos outros, deixou o cabelo meio liso crescer, penteou-o, fez uma risca no lado esquerdo, como o seu senhor. Mas não pode usar sapatos, privilégio e marca distintiva dos livres e libertos. Tirar fotografia era uma operação demorada. Ninguém podia se mexer durante quase dois minutos. Outras tentativa já podiam ter falhado. O fotógrafo Militão, que fez essa foto em São Paulo, deve ter reclamado. Por isso ou por outras razões mais secretas, o senhor está zangado, de cara amarrada. O escravo situado à sua direita, assustado, encolheu-se. Na extrema esquerda, o homem com a varinha na mão - pastor de cabras ou de vaca leiteira na cidade - tem um olhar altivo, talvez porque traga nas mãos o objeto de seu ofício, que o distingue dos outros cativos, paus para toda obra. Na extrema direita, o homem de branco se mexeu: estragou a foto da ordem escravista programada pelo seu senhor. Vai apanhar. No seu rosto fora de foco vislumbra-se o medo. Vai apanhar. ALENCASTRO, Luis Felipe de. História da vida privada no Brasil. Império: a corte e a modernidade nacional. p.18-19<br></br>Palavras-chave: relações culturais, escravidão, fotografia, Brasil Império.
Homem e seus escravos, seus 'neguinho'.

“Neguim” é aquele que você não é, ou não quer ser. ‘Neguim’ é o que age de maneira estranha, da maneira que você e seu grupo não agiriam, é o exemplo do que se faz de errado, bizarro, exótico, etc. Você não substituiria ‘nego/neguinho’ por você mesmo na frase, mesmo que seja negro falando isso (há tempos que estou me desprogramando, mas ainda cometo essa falha, em algumas distrações. Argh!). ‘A gente tá cantando aqui, aí, vem logo “neguinho” mandar a gente parar’. ‘A gente tenta entrar na fila pra pagar, mas vem logo “neguinho” pra passar na nossa frente’. Viu? “Neguinho” é o chato, o desagradável, o errado de fora, aquele que não é do grupo. Perceba que isso, inclusive, serve de mote pra desonestidade. As pessoas que se fazem de tão certinhas, mas é só se deparar com um alvo de seu preconceito e já dizem ‘depois dizem que sou preconceituosx, mas Alá, tinha que ser...’, porque a pessoa É PRECONCEITUOSA SIM, e estava apenas esperando uma desculpa qualquer pra mostrar que “estava certa”. ‘“Nego” é f...!’, diz a pessoa que quer justificar a desonestidade própria com a alheia também. ‘Ah, Saga, todo mundo faz!’. Mas estou divagando.

O homem branco é o senhor, dono, proprietário dos cinco outros homens negros e mulatos. Os outros se encontram atrás. O primeiro à esquerda do senhor é mulato, está bem vestido. Ao contrário dos outros, deixou o cabelo meio liso crescer, penteou-o, fez uma risca no lado esquerdo, como o seu senhor. Mas não pode usar sapatos, privilégio e marca distintiva dos livres e libertos. Tirar fotografia era uma operação demorada. Ninguém podia se mexer durante quase dois minutos. Outras tentativa já podiam ter falhado. O fotógrafo Militão, que fez essa foto em São Paulo, deve ter reclamado. Por isso ou por outras razões mais secretas, o senhor está zangado, de cara amarrada. O escravo situado à sua direita, assustado, encolheu-se. Na extrema esquerda, o homem com a varinha na mão - pastor de cabras ou de vaca leiteira na cidade - tem um olhar altivo, talvez porque traga nas mãos o objeto de seu ofício, que o distingue dos outros cativos, paus para toda obra. Na extrema direita, o homem de branco se mexeu: estragou a foto da ordem escravista programada pelo seu senhor. Vai apanhar. No seu rosto fora de foco vislumbra-se o medo. Vai apanhar. ALENCASTRO, Luis Felipe de. História da vida privada no Brasil. Império: a corte e a modernidade nacional. p.18-19<br></br>Palavras-chave: relações culturais, escravidão, fotografia, Brasil Império.
Negro sendo punido. A Sapataria - Debret.

Então, posso concluir que ‘nego/neguinho/neguim’ é uma forma de racismo ainda naturalizada, óbvio. Se pessoas ainda chamam negros de macaco e há tantos que defendam, usar um termo ainda mais corriqueiro chega a ser invisível pra muita gente. Racistas estruturais, como eu digo, que assimilaram desde pequenos sem nunca ter questionado e hoje, defendem suas verdades. Provavelmente, considerando o contexto da reencarnação, estavam lá na antiguidade falando coisas como ‘A Terra? Redonda? Queima esse cara, tá maluco!’. Muitos se acomodam por não saberem nem por onde começar a tratar do assunto. Sei que são pessoas que depois que alguém apresenta uma evolução na conversa, vão ser os do ‘já tinha pensado nisso, mas nunca falei’, mas tá de boa. Continuo no propósito, repudio tanto aquelas montagens que já me afastei de grupos no ZAP por isso, pra não ter que explicar pra criança que papai Noel não existe (NÃO EXISTE, SAGA??!).

Pra quem acha que o negro apenas apanhou e trabalhou, houve reação E MUITA! Essa é uma das verdadeiras razões pros senhores terem arregado e aceito a libertação, mesmo sem incluir na sociedade. Eles tinha e têm medo.

No mais, estou só aguardando o momento que alguma fan Page da vida resolva que o filão do momento seja esse pra denunciar o racismo com uma fonte concreta, que terá de explicar de onde tirou isso e, sonho eu, vai desmantelar, pelo menos, essa intentona racista. Aliás, num dos locais de onde me afastei por causa desse tipo de piada racismo moleque, uma pessoa se gabava – sim, se gabava – por ter uma pasta inteira com essas montagens ‘nego/neguinho é...’. Óbvio, pessoa branca aplaudida por outras pessoas brancas que nunca sofreram racismo e, obviamente, não se importam muito com os sentimentos dos possíveis negros de seu convívio. Aliás, muito sinhozinho era amigo de aventura de escravo negro até dar mer...da, quando a culpa caía no PT e nos dinossauros ‘neguinho’ e o filho do dono saía saindo.

Marcas do açoite. Hoje não são só físicas.


Então, amigos, sempre que ouvirem ‘nego/neguinho isso e aquilo’, saibam que é racismo em sua forma pura, aquela inocente que nem pensa nas conseqüências ou causas do que está fazendo só porque é um costume, como o de sacrificar virgens para acalmar uma tempestade ou um vulcão (hoje em dia iam se dar mal, CHUPEM! – Rá!). “Neguinho isso e aquilo” é minha jiromba, ok? Não vou ficar quieto se me puxarem pra uma conversa assim, ou no mínimo, vou fazer estrondo com minha saída dramática – rá! – sem olhar pra trás. Em tempo, vai ter gente falando que isso é se fazer de coitado, que isso é ver racismo em tudo... bem, como já debati muito sobre isso com ignorante, só mando lamber sabão agora, tá? Não discuto mais, porque quem quer aprender, pega e lê, pra mandar uma dessas é porque a cabeça está fechada e o cérebro intacto, primeiro dono, só com a habilitação vencida e uma engrenagens enferrujadas por falta de uso. Ou uso errado, sei lá o que essa gente anda absorvendo com a mente.

Ratificando: Não vou divulgar essas montagens porque não quero meu espaço de reflexão e debate sendo encontrado em sites de busca por imagens que vão retratar justamente o que quero combater. Deus me livre aparecer um bizarro racista achando que isso aqui é mina de ouro de sua maldade e ainda vai cair de paraquedas aqui pra falar m... Já tem os que fazem isso sei lá de onde, eu que não vou jogar anzol.

2 comentários:

Unknown disse...

Excelente, Fernando. Desconstruo o uso do termo com e "vem/tem branquinho, azulzinho, rosinha...". Geralmente, a pessoa ri e fica constrangida.

N. disse...

Texto maravilhoso.
Muito obrigada!

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