E já explicando o título, sim, é f... É f... ouvir isso, ser chamado disso e não é pela palavra em si. É pelo significado, porque palavras, você sabe, são frias expressões, mas dependendo do contexto, elas ganham significados e isso é que faz o juízo de valor sobre elas. Como as palavras do título, que depois da escravidão até ganharam um viés carinhoso, em certas horas, mas surgiram - e ainda são muito usadas - como definições de identidade de um estereótipo não humano: O negro escravo. Por isso, até hoje, as pessoas ainda têm reservas em usar os termos com medo de parecer ofensa - e é pra ter, pergunte, a gente responde, mas pergunte pra quem entende, não só porque é negro, porque tem muito irmão que se aceita alvo de piada e ofensa pra parecer legal. Falo disso depois.
Racismo gera constrangimento. Em todos. É um costume que
começou com a escravidão e extrapolou a abolição. Daí, dizermos que a abolição
apenas estabeleceu uma lei de motivações políticas, mas nada, nada sociais.
Visto que a maravilhosa lei foi escrita e assinada, mas o povo contemplado (o
negro, diretamente e a sociedade como um todo) não se viu livre do racismo, nem
incluso em qualquer programa de inclusão social por parte do mesmo governo que “libertou”
os escravos. Enfim, não vou ficar falando em escravidão aqui porque demandaria
muita informação, apenas citando-a para começar a conversa já basta.
A questão é que o racismo gera constrangimento, não porque
seja da natureza, mas porque a sociedade tenta segurar com a mão um pequeno furacão. A ilustração é pra demonstrar como as pessoas lidam com um assunto que
não entendem, mas sabem que está lá. Melhor negar, melhor largar de mão, fingir
que nada aconteceu e seguir como se a natureza tivesse estabelecido. É o filho
que não quer limpar a casa quando o pai viaja. Vamos evitar a fadiga. Vamos?
Não. Vamos tocar na ferida e a bola da vez é o termo ‘neguinho’ no sentido em que
deveria ser usado ‘alguém’. Veja bem, desde a escravidão que usar termos pra
determinar a etnia negra é ofensa. Imagina, mais de 300 anos vendo a palavra ‘negro’
(e variáveis como negão, neguinho, nego, preto...) sendo empregada no momento
de uma chibatada, um cavalo arrastando um corpo por uma corda, queimaduras de
ferro quente pra marcar as iniciais do senhor do engenho, apontar culpas, etc... Por esse
prisma, é perfeitamente natural a sociedade não querer falar sobre isso.
Envolve apontar responsabilidades, se não por fazer, por deixar ser feito, ou
por não se pronunciar ao ver sendo feito. Muita gente ‘adora negros’, mas tem
sempre uma ofensa racista na ponta da língua se um negro lhe ofende, fecha o
carro no trânsito, etc. Quando não faz "de brincadeira", exatamente como qualquer sinhazinha fazia com a mucama.
Mesmo depois do açoite, ser negro ainda é ser alvo da maldade do racismo. |
Então, voltemos ao ‘neguinho’. Neguinho, na escravidão era
uma ofensa, uma necessidade de diferenciação entre pessoas que, claramente,
tendia a menosprezar a etnia/raça do negro. Veja como negro é uma forma de
estereotipar, mas branco, por exemplo, não é. Você não vê ‘branquinho’ fazendo
isso e aquilo. Você não vê falarem em ‘serviço de branco’, nem nada disso. Nem
pra elogiar, pois, na nossa sociedade, o branco é o normal estabelecido, pois é
a base do colonizador e, nos tempos de hoje, o referencial da mídia, mesmo que
estejamos no país mais negro fora de África. Então, o negro fica como ofensa e
ponto, não em competição com o branco, pois branco não foi escravizado e não
passou pelo processo de desumanização da escravidão e depois pelos livros de
história convencionais (onde o negro é um coadjuvante que ficou lá sentado
esperando Isabel libertá-los - #sqn). Há um certo sentido lógico no desconforto
que muitos sentem em se assumirem negros ou apontarem pra alguém e falarem ‘ele
é negro’. Ainda mais hoje em dia, com tanta informação sobre racismo correndo
solta. As pessoas têm o inconsciente de que é racismo, mas não querem admitir,
porque nem entendem como seria se fosse diferente. "E eu tenho culpa?", já diz a pessoa que não vê cores nem etnias, mas assume inconscientemente sua posição de privilégio racial na sociedade (geralmente é contra cotas, por nã entender nada do que estamos falando aqui). 'É natural e se contestar
fizer com que elas saiam do lugar comum, da zona de conforto, melhor manter
tudo como está e o "neguinho" que se vire.
Negros vivendo em sistema de escravidão. |
“Vem logo neguinho pra falar...”, “nego inventa...”, “neguinho
é sinistro...” tudo isso é racismo introjetado na sociedade. “Ain, Saga, mas
todo mundo fala assim, até os negros”. Sim, gafanhoto, mas muita gente também
mata, rouba e lê Veja revistas de fofocas políticas, mas você não acha tão normal assim só porque é algo que se faz há
muito tempo no mundo, né? Tenho visto pelos Zaps da vida muita gente
compartilhando umas montagens bem escrotas com dizeres nessa linha ‘nego/neguinho
faz/fala isso/aquilo’. Não me posicionei nesses grupos sobre isso porque é
socar ponta de faca, já que a maioria vai na maré que falei, de que é normal, 'só uma piada', sobretudo no atual momento em que vivemos um imediatismo quase suicida de tudo
que surge agora é o melhor/pior do mundo e um minuto depois ninguém se importa.
É, as redes sociais evoluem e isso não é necessariamente uma coisa boa, mas tem
remédio. O papo é que ‘neguim’ é um termo pejorativo. Sim, pejorativo e não
adianta mandar o papo ‘sexo e aR nega’ de que a palavra pode ser usada com
carinho. Sei que pode, mas não estou falando do seu caso específico, nem de
ninguém individualmente, estamos falando aqui de cultura, sociologia, comportamento social ao longo da história e seus reflexos no hoje. E a nossa sociedade está com o racismo dentro da receita, como o ingrediente adicionado à massa
ainda no preparo e não jogado superficialmente depois do bolo já pronto.
Assim seria fácil.
Homem e seus escravos, seus 'neguinho'. |
“Neguim” é aquele que você não é, ou não quer ser. ‘Neguim’
é o que age de maneira estranha, da maneira que você e seu grupo não agiriam, é
o exemplo do que se faz de errado, bizarro, exótico, etc. Você não substituiria
‘nego/neguinho’ por você mesmo na frase, mesmo que seja negro falando isso (há
tempos que estou me desprogramando, mas ainda cometo essa falha, em algumas
distrações. Argh!). ‘A gente tá cantando aqui, aí, vem logo “neguinho” mandar a
gente parar’. ‘A gente tenta entrar na fila pra pagar, mas vem logo “neguinho”
pra passar na nossa frente’. Viu? “Neguinho” é o chato, o desagradável, o errado de fora, aquele
que não é do grupo. Perceba que isso, inclusive, serve de mote pra
desonestidade. As pessoas que se fazem de tão certinhas, mas é só se deparar
com um alvo de seu preconceito e já dizem ‘depois dizem que sou preconceituosx,
mas Alá, tinha que ser...’, porque a pessoa É PRECONCEITUOSA SIM, e estava
apenas esperando uma desculpa qualquer pra mostrar que “estava certa”. ‘“Nego”
é f...!’, diz a pessoa que quer justificar a desonestidade própria com a alheia
também. ‘Ah, Saga, todo mundo faz!’. Mas estou divagando.
Negro sendo punido. A Sapataria - Debret. |
Então, posso concluir que ‘nego/neguinho/neguim’ é uma forma
de racismo ainda naturalizada, óbvio. Se pessoas ainda chamam negros de
macaco e há tantos que defendam, usar um termo ainda mais corriqueiro chega a
ser invisível pra muita gente. Racistas estruturais, como eu digo, que
assimilaram desde pequenos sem nunca ter questionado e hoje, defendem suas
verdades. Provavelmente, considerando o contexto da reencarnação, estavam lá na
antiguidade falando coisas como ‘A Terra? Redonda? Queima esse cara, tá maluco!’.
Muitos se acomodam por não saberem nem por onde começar a tratar do assunto.
Sei que são pessoas que depois que alguém apresenta uma evolução na conversa,
vão ser os do ‘já tinha pensado nisso, mas nunca falei’, mas tá de boa. Continuo no propósito, repudio tanto aquelas montagens que já me afastei de
grupos no ZAP por isso, pra não ter que explicar pra criança que papai Noel não
existe (NÃO EXISTE, SAGA??!).
Pra quem acha que o negro apenas apanhou e trabalhou, houve reação E MUITA! Essa é uma das verdadeiras razões pros senhores terem arregado e aceito a libertação, mesmo sem incluir na sociedade. Eles tinha e têm medo. |
No mais, estou só aguardando o momento que alguma fan Page da
vida resolva que o filão do momento seja esse pra denunciar o racismo com uma
fonte concreta, que terá de explicar de onde tirou isso e, sonho eu, vai
desmantelar, pelo menos, essa intentona racista. Aliás, num dos locais de onde
me afastei por causa desse tipo de piada racismo moleque, uma pessoa se
gabava – sim, se gabava – por ter uma pasta inteira com essas montagens ‘nego/neguinho
é...’. Óbvio, pessoa branca aplaudida por outras pessoas brancas que nunca
sofreram racismo e, obviamente, não se importam muito com os sentimentos dos
possíveis negros de seu convívio. Aliás, muito sinhozinho era amigo de aventura
de escravo negro até dar mer...da, quando a culpa caía no PT e nos
dinossauros ‘neguinho’ e o filho do dono saía saindo.
Marcas do açoite. Hoje não são só físicas. |
Então, amigos, sempre que ouvirem ‘nego/neguinho isso e
aquilo’, saibam que é racismo em sua forma pura, aquela inocente que nem pensa
nas conseqüências ou causas do que está fazendo só porque é um costume, como o
de sacrificar virgens para acalmar uma tempestade ou um vulcão (hoje em dia iam
se dar mal, CHUPEM! – Rá!). “Neguinho isso e aquilo” é minha jiromba, ok? Não
vou ficar quieto se me puxarem pra uma conversa assim, ou no mínimo, vou fazer
estrondo com minha saída dramática – rá! – sem olhar pra trás. Em tempo, vai
ter gente falando que isso é se fazer de coitado, que isso é ver racismo em
tudo... bem, como já debati muito sobre isso com ignorante, só mando lamber
sabão agora, tá? Não discuto mais, porque quem quer aprender, pega e lê, pra
mandar uma dessas é porque a cabeça está fechada e o cérebro intacto, primeiro
dono, só com a habilitação vencida e uma engrenagens enferrujadas por falta de
uso. Ou uso errado, sei lá o que essa gente anda absorvendo com a mente.
Ratificando: Não vou divulgar essas montagens porque não quero meu espaço de reflexão e debate sendo encontrado em sites de busca por imagens que vão retratar justamente o que quero combater. Deus me livre aparecer um bizarro racista achando que isso aqui é mina de ouro de sua maldade e ainda vai cair de paraquedas aqui pra falar m... Já tem os que fazem isso sei lá de onde, eu que não vou jogar anzol.
2 comentários:
Excelente, Fernando. Desconstruo o uso do termo com e "vem/tem branquinho, azulzinho, rosinha...". Geralmente, a pessoa ri e fica constrangida.
Texto maravilhoso.
Muito obrigada!
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