Caro Wanderley,
O senhor afirmou não ter visto racismo nos gritos histéricos (ma-ca-co) de Patrícia contra Aranha. Disse que foi mais um ato no calor da emoção, o time dela perdia e saiu, ou coisa que o valha (Pra variar as Organizações 'não-somos-racistas' Globo descolaram mais um apoio de argumentos pouco relevantes no apoio à Patricinha racistinha).
Disse o senhor, ao jornal O Globo: — "Aquela menina deve ter amigos negros, com quem convive. Eu olhei a forma forte como ela falou macaco, será que ela não tem amigo preto? Colocam como racismo no futebol uma coisa que é totalmente diferente. Aquilo nada mais é do que a ira momentânea, provocada pela rivalidade no futebol, que faz a pessoa ultrapassar o limite da educação. É falta de educação, não racismo."
Primeiro, professor, racismo é uma tremenda falta de educação. Se aquela menina tem amigos negros e ofende um negro de fora do grupo como 'macaco', ou ela é maluca, ou eles o são. Não é a sanidade deles que discuto aqui, é sua autoridade no assunto, tendo já levado processo por ter 'brincado' de chamar um jogador de 'picolé de asfalto'. Só nessa, já entendo pra que lado sua autoridade no assunto pende. Se pra você futebol e sociedade se separam como Terra e Marte, então o maluco sou eu e quando dizem 'o problema é social', significa que na verdade não há problema, pois, não é racismo porque é dentro do futebol, não vai ser racismo quando for na quadra da escola de samba, não vai ser racismo porque vai ser dentro da escola, dentro da TV, dentro de sei lá mais o quê.
O senhor acha que racismo é apenas o ato de excluir o negro proibindo-lhe a presença e o acesso a um determinado ambiente? Olhe bem para a Tv, Wan, vê quantos negros você vê lá entre as arquibancadas e o gramado, quando passa uma partida de futebol. Ali tem exclusão, é racismo? Duvido que você diria, neste exemplo, pois, você vai se esgueirar para outro nível do racismo velado: A busca por atos extremos. Poderá dizer que não é racismo porque não teve xingamento. E se tiver, não vai admitir, porque não teve exclusão, xingamento e agressão, e depois vai renegar porque não teve xingamento, exclusão, agressão e um cartaz de anúncio de ato racista (além de amigos ou parentes negros, lembrando, se tiver negros por perto, não é racismo, né?)... No fim das contas, vai dizer que o negro é que vê racismo em tudo e se faz de vítima pra justificar seus fracassos sociais. Menos no futebol.
Voltando, então, pro senhor, foi um ato de impulso? Como na raiva, como no porre? Você sabe que atos impulsivos de gente raivosa ou bêbada, são atos que estavam escondidos pela camada da postura social, não é? São coisas que saem ao menor sinal de descontrole porque estavam lá o tempo todo. Muita coisa pode ser atribuída a um gesto isolado de emoção desvairada. Vamos ver o que mais é o tal do "calor da emoção"?
- Quando um jovem negro é hostilizado por ser negro e ter cara de 'suspeito';
- A prisão de um negro porque tinha cabelo black e andava na rua à noite, sem direito a telefonema, nem advogado (e nem visita do pai militar reformado, porque como um negro teria posição social de classe média, né?);
- Toda vez que o corpo negro cai no chão baleado e ganha um histórico criminal no mesmo segundo, pra que o ato emocionado do Estado seja apoiado pela sociedade do caos-espetáculo;
- Também é no calor da emoção que mulheres negras são relegadas à cozinha e à cama, onde podem ser atacadas por algozes sexuais de forma a liberar seus instintos e ainda manterem sua postura conservadora da sala de visitas pra lá;
- É calor da emoção, quando uma mãe de família favelada é baleada e arrastada pelas ruas do subúrbio, ato emotivo pra ocultar um ato policial escuso anterior;
- É calor das emoções quando você é perseguido e assassinado e tem a cena do crime modificada para incriminar o que estava limpo... Enfim, são tantas emoções, como diria o poeta.
Agora, se o racismo vira apenas um ato emocionado, além de ser vindo do coração do racista, Luxa, ainda demonstra o que a pessoa já sentia e só deixou escapar. Sinto muito, técnico de futebol de passado conturbado, mas afirmar que xingar um negro de macaco, porque está num estádio, é calor da emoção, então, isso só confirma o racismo e não o descarta.
É calor da emoção, é um jogo de futebol e vale tudo... vale tudo? Pra mim, quem defende racista, racista é. Está, na verdade, garantindo costas quentes na possibilidade de precisar do mesmo apoio no futuro, quando disser algo também 'no calor da emoção'. Torno a falar, se fosse calor da emoção, seria 'fdp', 'babaca', 'pereba', etc. Se não se xinga jogador branco de macaco, então sabemos muito bem pra onde essa emoção foi direcionada. Tive uma epifania: Eu não sabia que o Brasil era um país tão emocionado há tantos séculos.
Luxa, falar nunca foi seu forte, vai discutir com o Romário que você lembra disso rapidinho, tá? Por enquanto, deixa o assunto pra quem entende. Vai chutar sua bolinha aê, que seu dinheiro não vem da sua carreira como pesquisador sociológico. Deixa pra quem entende do assunto e sofre na pele o que pra você não importa (mas tá se metendo mesmo assim). Acabamos de passar por uma Copa cuja temática recorrente foi o combate ao racismo com faixas, cartazes, gritos, jogadores xingados e até personalidades midiáticas querendo aparecer comendo bananas e vendendo camisetas. Tudo isso foi só emoção? Acho que não.
E, Jornal O Globo, a opinião dele não 'foge ao senso comum', ela é uma opinião leiga qualquer, só que com seu alto-falante, pra ver se afrontam, mais uma vez, o movimento negro do Brasil. No mais, um sorriso negro, um abraço negro pra vocês.
Fernando Sagatiba
Crônicas, divagações e contestações sobre injustiças sociais, cultura pop, atualidades e eventuais velharias cult, enfim, tudo sobre a problemática contemporânea.
terça-feira, 2 de setembro de 2014
Carta aberta a Wanderley Luxemburgo
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