Tá legal, eu confesso: Vinícius Romão está me deixando
confuso.
Entenda o caso
Dalva Moreira da Costa, copeira de um hospital no subúrbio
carioca, fora assaltada e, no choque, descreveu a um policial que seu suspeito
era um negro de cabelo black. Mesmo a despeito de o assaltante ter sido
descrito como vestindo bermuda, o policial prendeu Vinícius Romão, que usava
calças e camisa polo. Já escrevi muito sobre o racismo inerente à ação, seja
por achar que ‘todo preto é igual’, generalizar traços característicos ou a
mais grave situação, achar que o negro pode ir para a cadeia à toa sem que haja
o mínimo de respeito. Já falamos isso tudo e as condições arbitrárias em que
ele foi preso, conduzido ao presídio em outro município e ficou mais de 15 dias
preso sem ter cometido crime, apenas porque Dalva, a ‘vítima’ – pelo menos, de
UM dos DOIS crimes cometidos naquela noite – não tinha dinheiro pra ir até a
delegacia e explicar que não tinha certeza se tinha mandado o negro de black
certo pro xadrez. Mas isso você já sabe, como também sabe que o vendedor e
aspirante a ator já foi liberado da prisão. Agora, fique por aí, há
desdobramentos.
Soltura e Reação
Após ser liberado da cadeia, Vinícius – que é formado
em Psicologia - reparou que seus pertences não foram entregues à sua família,
como manda o procedimento de praxe, aliás, ação essa que o próprio conhece, por
ter feito estágio numa delegacia (irônico não?). Trata-se de 2 celulares, um
fone de ouvidos e um par de tênis, que somados, devem passar fácil de 2 mil
reais (só o pisante foi mais de R$400,00, segundo uma reportagem que li). Isso tudo
ficou no ar, ninguém deu conta, o delegado responsável afirmou que vai abrir
sindicância. Claro, né? Além de preso, o cara, até o momento, foi roubado
também. Parece até os tempos da escravidão, quando o cara era subjugado,
saqueado e não tinha direito a nada além de abaixar a cabeça. Mas calma, até
aí, eu ainda não estava confuso. Agora vou ficar.
Consequências
Vinícius não está saindo muito e quando o faz, nunca é
sozinho, ainda tem medo, medo de represálias e tals. Afirmou anteriormente que
estava pensando em processar o Estado, pelo modo como foi conduzida sua prisão,
sem chance de defesa ou telefonema, mesmo que não estivesse em flagrante
delito. Beleza, e eu escrevi o quanto torcia pra que ele não agisse feito a
classe média remediada que encara o fato como um mero engano e não um crime
hediondo. Torci e veio a resposta, ele decidiu processar a todos os envolvidos
nessa trozoba toda que se tornou a questão.
“Quero processar todos os envolvidos. O Estado, o policial
que me prendeu, o delegado que registrou. Todos que puderem ser processados”,
afirmou o vendedor e aspirante a ator. Tá Vinícius, além de ser um direito seu,
você teria a obrigação moral de ser exemplo para tantos outros que não têm o
apoio que você recebeu em redes sociais, além, claro, de sua família e amigos.
Não foi engano ou injustiça, você sofreu uma agressão, um crime. Mas... Sempre
tem um mas... Vinícius quer processar todo mundo, o policial que o prendeu, o
delegado que o manteve preso, o Estado... Só não vai processar Dalva, aquela
que o acusou e não retirou a acusação por uns 15 dias, segundo Vinícius, pelo
“peso que ela já carrega de ter colocado um inocente na prisão”.
Cuma?! Ele não vai envolver a mulher que iniciou todo o
processo de acusação e prisão injustas?! Na boa, mandar um inocente para a
cadeia não é como a lição da boa amizade de um filme de comédia romântica,
estamos falando da vida real, não de uma novela, onde um personagem faz o que
quer e sai impune, porque é pobre ou porque jura que se arrependeu de verdade. Por
todos que são olhados, acusados e agredidos apenas por serem negros, acho que
Vinícius perde uma grande oportunidade de buscar justiça por completo.
Processar o Estado é o direito de qualquer um nessa situação, mas não
responsabilizar também a pobre moça que o acusou no susto é deixar que tantos
outros se sintam seguros em cometer uma bizarrice dessas e fazer cara de “mas
foi só um mal entendido”.
Conclusão
Lembro de ter ouvido muita coisa desde a infância, desde o
mais batido ‘macaco’ até questionamentos sobre 13 de maio ‘ué, não vai ficar em
casa hoje? É dia dos pretos!’ e mais um monte de aberrações que qualquer pai
desculpava como brincadeirinha de criança. Cresci e já passei a esperar das
pessoas olhares, abraços em bolsas e perguntas de seguranças sobre motivos para
eu estar parado em algum lugar movimentado. Eu só queria uma chance de olhar
para cada uma dessas pessoas e dizer como nos sentimos diante dessa visão
social a que somos relegados. Vinícius Romão tem essa chance e está apontando
para o lado opressor, parabéns, mas o oprimido que acata a ideologia do
opressor também merece mais lições do que ‘Ai, ai, ai, não faça mais isso,
hein! O moço briga!’.
Quer um exemplo de como o Brasil ainda precisa muito evoluir
a mentalidade acerca da conscientização social e racial? Olha os dois
comentários mais recentes – até o momento que elaborei este texto – do jornal
Extra:
O primeiro faz uma simplificação de ‘racismo = destacar a
cor de pele’ que só não é mais perigosa do que estúpida, já o segundo nem se
ateve a temas e reportagens, já foi direto para saciar sua sede de falar
asneiras, assim, sem contexto ou ligação mesmo. Só porque podia. Viu como é
perigoso desperdiçar chances de falar com a sociedade? É como a pessoa do
terceiro comentário falou, o direito à justiça é um dever moral do “réu”, e não
mais uma chance de mostrar que nem ele deu tanta importância assim ao que
passou. O último comentário até se esforçou, mas utiliza uma argumentação que
consegue ser parente bem próximo do primeiro, porque acha que faria diferença a
acusadora ser branca (ainda insinuando que isso pesaria mais na sociedade, como
se os negacionistas não estariam de plantão pra falar besteira). O foco é a
prisão de um inocente porque foi confundido com um cara que nem se parece com
ele, além, é claro, dos traços ‘folclorizados’ do negro: Cabelo black e pele
preta.
Enfim, torcendo pra ele mudar de ideia, mas já com a pulga
atrás da orelha. Ele quis processar todos os envolvidos, menos quem iniciou o
processo? Tá legal, eu confesso: Vinícius Romão está me deixando confuso. Espero sinceramente que ele reconsidere. Não é sempre que temos essa chance de representatividade.
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