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terça-feira, 11 de março de 2014

Ator preso injustamente afirma que processará todos os envolvidos em sua prisão... Mnos sua acusadora

Tá legal, eu confesso: Vinícius Romão está me deixando confuso.

Vinícius Romão de Souza


Entenda o caso

Dalva Moreira da Costa, copeira de um hospital no subúrbio carioca, fora assaltada e, no choque, descreveu a um policial que seu suspeito era um negro de cabelo black. Mesmo a despeito de o assaltante ter sido descrito como vestindo bermuda, o policial prendeu Vinícius Romão, que usava calças e camisa polo. Já escrevi muito sobre o racismo inerente à ação, seja por achar que ‘todo preto é igual’, generalizar traços característicos ou a mais grave situação, achar que o negro pode ir para a cadeia à toa sem que haja o mínimo de respeito. Já falamos isso tudo e as condições arbitrárias em que ele foi preso, conduzido ao presídio em outro município e ficou mais de 15 dias preso sem ter cometido crime, apenas porque Dalva, a ‘vítima’ – pelo menos, de UM dos DOIS crimes cometidos naquela noite – não tinha dinheiro pra ir até a delegacia e explicar que não tinha certeza se tinha mandado o negro de black certo pro xadrez. Mas isso você já sabe, como também sabe que o vendedor e aspirante a ator já foi liberado da prisão. Agora, fique por aí, há desdobramentos.


 Soltura e Reação

 Após ser liberado da cadeia, Vinícius – que é formado em Psicologia - reparou que seus pertences não foram entregues à sua família, como manda o procedimento de praxe, aliás, ação essa que o próprio conhece, por ter feito estágio numa delegacia (irônico não?). Trata-se de 2 celulares, um fone de ouvidos e um par de tênis, que somados, devem passar fácil de 2 mil reais (só o pisante foi mais de R$400,00, segundo uma reportagem que li). Isso tudo ficou no ar, ninguém deu conta, o delegado responsável afirmou que vai abrir sindicância. Claro, né? Além de preso, o cara, até o momento, foi roubado também. Parece até os tempos da escravidão, quando o cara era subjugado, saqueado e não tinha direito a nada além de abaixar a cabeça. Mas calma, até aí, eu ainda não estava confuso. Agora vou ficar.

 

Consequências

 Vinícius não está saindo muito e quando o faz, nunca é sozinho, ainda tem medo, medo de represálias e tals. Afirmou anteriormente que estava pensando em processar o Estado, pelo modo como foi conduzida sua prisão, sem chance de defesa ou telefonema, mesmo que não estivesse em flagrante delito. Beleza, e eu escrevi o quanto torcia pra que ele não agisse feito a classe média remediada que encara o fato como um mero engano e não um crime hediondo. Torci e veio a resposta, ele decidiu processar a todos os envolvidos nessa trozoba toda que se tornou a questão.

“Quero processar todos os envolvidos. O Estado, o policial que me prendeu, o delegado que registrou. Todos que puderem ser processados”, afirmou o vendedor e aspirante a ator. Tá Vinícius, além de ser um direito seu, você teria a obrigação moral de ser exemplo para tantos outros que não têm o apoio que você recebeu em redes sociais, além, claro, de sua família e amigos. Não foi engano ou injustiça, você sofreu uma agressão, um crime. Mas... Sempre tem um mas... Vinícius quer processar todo mundo, o policial que o prendeu, o delegado que o manteve preso, o Estado... Só não vai processar Dalva, aquela que o acusou e não retirou a acusação por uns 15 dias, segundo Vinícius, pelo “peso que ela já carrega de ter colocado um inocente na prisão”.

Cuma?! Ele não vai envolver a mulher que iniciou todo o processo de acusação e prisão injustas?! Na boa, mandar um inocente para a cadeia não é como a lição da boa amizade de um filme de comédia romântica, estamos falando da vida real, não de uma novela, onde um personagem faz o que quer e sai impune, porque é pobre ou porque jura que se arrependeu de verdade. Por todos que são olhados, acusados e agredidos apenas por serem negros, acho que Vinícius perde uma grande oportunidade de buscar justiça por completo. Processar o Estado é o direito de qualquer um nessa situação, mas não responsabilizar também a pobre moça que o acusou no susto é deixar que tantos outros se sintam seguros em cometer uma bizarrice dessas e fazer cara de “mas foi só um mal entendido”.

Vinícius Romão posa sorridente para fotos em festa realizada na quadra do Salgueiro, no Rio 

Conclusão

Lembro de ter ouvido muita coisa desde a infância, desde o mais batido ‘macaco’ até questionamentos sobre 13 de maio ‘ué, não vai ficar em casa hoje? É dia dos pretos!’ e mais um monte de aberrações que qualquer pai desculpava como brincadeirinha de criança. Cresci e já passei a esperar das pessoas olhares, abraços em bolsas e perguntas de seguranças sobre motivos para eu estar parado em algum lugar movimentado. Eu só queria uma chance de olhar para cada uma dessas pessoas e dizer como nos sentimos diante dessa visão social a que somos relegados. Vinícius Romão tem essa chance e está apontando para o lado opressor, parabéns, mas o oprimido que acata a ideologia do opressor também merece mais lições do que ‘Ai, ai, ai, não faça mais isso, hein! O moço briga!’.

Quer um exemplo de como o Brasil ainda precisa muito evoluir a mentalidade acerca da conscientização social e racial? Olha os dois comentários mais recentes – até o momento que elaborei este texto – do jornal Extra:



O primeiro faz uma simplificação de ‘racismo = destacar a cor de pele’ que só não é mais perigosa do que estúpida, já o segundo nem se ateve a temas e reportagens, já foi direto para saciar sua sede de falar asneiras, assim, sem contexto ou ligação mesmo. Só porque podia. Viu como é perigoso desperdiçar chances de falar com a sociedade? É como a pessoa do terceiro comentário falou, o direito à justiça é um dever moral do “réu”, e não mais uma chance de mostrar que nem ele deu tanta importância assim ao que passou. O último comentário até se esforçou, mas utiliza uma argumentação que consegue ser parente bem próximo do primeiro, porque acha que faria diferença a acusadora ser branca (ainda insinuando que isso pesaria mais na sociedade, como se os negacionistas não estariam de plantão pra falar besteira). O foco é a prisão de um inocente porque foi confundido com um cara que nem se parece com ele, além, é claro, dos traços ‘folclorizados’ do negro: Cabelo black e pele preta.   

Enfim, torcendo pra ele mudar de ideia, mas já com a pulga atrás da orelha. Ele quis processar todos os envolvidos, menos quem iniciou o processo? Tá legal, eu confesso: Vinícius Romão está me deixando confuso. Espero sinceramente que ele reconsidere. Não é sempre que temos essa chance de representatividade.

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