Certa feita, eu tinha por volta de 11 ou 12 anos, era um projeto
de Sagatiba (que não bebia, friso, Saga é um estilo de vida, rá!) e voltava de
um animado almoço de dia dos pais com... meu pai. Bem, preciso informar-lhes,
antes, que meus pais são separados desde que eu era muito pequeno, então a
rotina sempre foi a de revezar feriados, finais de semana e férias escolares na
companhia de um dos dois (a guarda em geral, com mamãe Garcia). Aí, não antes
ou depois de aí, meu pai e eu fizemos uma baldeação num ponto de ônibus em
Coelho Neto, subúrbio aqui do Rio, para que eu fosse levado de volta à minha
casa, na Pavuna (também no subúrbio, coisa de uns três bairros de distância).
A certa altura da espera por uma condução naquela noite de
domingo, um ônibus com dezenas de jovens funkeiros parou por ali e a rapeize
desceu em peso. No meio daquela mini multidão, me desgarrei de meu pai e não vi
que ele se concentrava num possível coletivo para nós. Nisso, senti meus braços
puxados, como se faz com crianças arteiras, e reparei que dois policiais me
escoltavam - será? - para sei lá onde. Também, não quero nem pensar, pois meu
pai percebeu minha ausência e voltou para argumentar com os caras. Com alguma
desconfiança dos oficiais da lei, fui 'liberado' e voltamos para minha casa,
onde meu pai - e herói, perdão pelo clichê - se despediu e retornou para sua
casa.
Devo, também, acrescentar que sempre fui muito fã de Gabriel, O
Pensador, sobretudo naquela fase de busca e desenvolvimento de personalidade,
eu já admirava sua verborragia pertinente, coesa e inteligente. Por isso, eu
costumava andar vestido naquele estilo, com destaque para casacos com capuz -
que gosto até hoje. A encarnação geral, depois do susto e do aborrecimento, era
o detalhe do casaco, 'suspeito' que teria justificado a 'confusão' dos
'polícia' a meu respeito, logo eu, que nunca tinha ido a UM baile funk à época.
Mesmo assim, mesmo sendo um infanto nerd juvenil, eu despertei alguma espécie
de 'ar suspeito' neles. A pergunta seria: Por quê?
Momento de sarcasmo da série, quando Will se apavora, pois 'quando um branco vai pra cadeia, é porque ele aprontou pra valer!'. |
É quando me lembro daquela passagem da série Fresh Prince of Bel
Air/Um Maluco no Pedaço, quando Will e Carlton ficam incumbidos de levar o
carrão luxuoso do patrão do eterno e saudoso Tio Phil para uma casa de veraneio
onde o pessoal do escritório de Phil passava um fim de semana de er... veraneio. A
certa altura, os dois são abordados por policiais, Will, que era do subúrbio,
já sabia todo o 'procedimento' adotado pelo policial, enquanto Carlton, criado
num bairro nobre e milionário, acreditava estar diante de uma autoridade que
lhe passava segurança. Resumo, chegaram a ser presos e, com tudo resolvido,
Will se aborrece com Carlton pela inocência em achar que foram parados por
dirigirem em baixa velocidade.
Ao perguntar a seu pai se qualquer um deles também pararia
qualquer um dirigindo em baixa velocidade (e não por serem negros dirigindo um
carro caro), Phil responde ao filho: "Filho, eu me pergunto isso desde a
primeira vez em que fui parado". Ou seja, Phil, que antes de ser um bem
sucedido advogado havia sido criado numa fazenda no sul dos EUAses, região que
manteve a escravidão e o apartheid institucionalizado de forma mais radical,
também já sabia, como diz a canção d'O Rappa: '(...) de geração em geração,
todos no bairro já conhecem essa lição'. Carlton ficou pensativo e aquele foi
um dos episódios que não terminava em risadas, abraços e uma música alegre. Ao
contrário, terminava em silêncio, apenas com Carlton pensando alto 'eu
pararia?'.
À esquerda, Dione, encontrado e preso por ser o verdadeiro suspeito do crime pelo qual Vinícius Romão começou pagando. |
Não é que todos os negros se pareçam por que são negros, o negro é
visto como um tipo suspeito, o mais potencial bandido num grupo diverso. Não é
confusão, é uma estrutura da sociedade desde a época da escravidão, quando um
negro resistindo ao sistema era taxado de rebelde, bandido, fujão e
encrenqueiro. Ainda hoje, lá no meu outro blog Raiz do Samba em Foco, me chamam de
ativista, de racista inverso e outras baboseiras. Sentir na pele, poucos, eu
duvido que tenham sentido o racismo, nas piadas, nos olhares, no modo como se
afastam ou se agarram a seus pertences. Claro, sei que isso é só um subterfúgio
pra negar o privilégio da branquitude, preferem igualar e simplificar a
situação pra não admitir que sua meritocracia é baseada em nossos ombros.
Rolezinhos, revistas em ônibus que saem de regiões de comunidades
suburbanas para a Zona Sul e Centro (do Rio), justiçamentos, tudo isso tem o
racismo entranhado. Já disse, não é por que é negro, mas a cultura do senso
comum te faz achar o preto o suspeito. Isso leva muito racista inoperante a
achar que não o é, mas defende a 'causa' sem contestar. Mesmo com o Google aí,
pessoas falam qualquer coisa sem o menor embasamento, ignoram que muitos de
nós, negros, pra chegarmos a fazer esse tipo de denúncia, já passamos horas
lendo, debatendo e assistindo a uma enorme gama de conteúdo artístico, cultural
e acadêmico. Bem, agora só vou dizer uma coisinha a mais, pra arrematar e não
te aborrecer com esse papo chato de racismo/fada (que só existe se você
acreditar, Lua de Cristal que me faz sonhar...).
Após o ocorrido dos meus 11 ou 12 anos, ainda fui abordado várias
vezes por policiais em ônibus, principalmente. O que acontece, é que numa
dessas, eu já tava tão cansado de discutir com eles, fazer cara feia e dar
respostas secas quando perguntado 'de onde vem', 'pra onde vai', 'qual a cor da
sua cueca' e outras delongas, que questionei a um policial o porquê de só eu e
mais dois ou três (os negros mais ‘evidentes’) sermos revistados, ali nas
proximidades de Benfica, Mangueira e São Cristóvão. Pois o educado (sem aspas)
policial me revelou que tinham ordens para chegarem em negros, homens e por
volta de 17 a
25 anos. Estava esclarecido - ou enegrecido? - o motivo. Ou melhor, confirmado.
Por isso que eu ando dizendo, Vinícius Romão deu sorte, teve apoio
em redes sociais. Onde vão parar todos os outros que a família dá entrevista
dizendo que era trabalhador e a mídia só evidencia o histórico criminal inventado
do jovem negro pobre? Onde eu estaria agora, se meu pai não demonstrasse em sua
atitude que aqueles policiais NÃO eram meus donos? Claro que há muitos
negros criminosos, mas não o são por serem negros, apenas porque são parte da
maioria da população, daí a evidência de a maioria ser negra na criminalidade.
É uma questão de razão e proporção.
3 comentários:
Vou bater e bato na mesma tecla, O QUE PASSA NA MÍDIA FIXA, a qtas centenas de anos somos preteridos nesta mesma mídia, q não quer associar a nossa cor a seus produtos, SE CONSUMIMOS, E NÃO ESTAMOS INSERIDOS EM SEUS ANUNCIOS, ENTÃO? PORK COMPRAMOS? Se somos maioria porK não nos rebelamos gritando em uníssom, não adquirindo esses produtos, não assistindo aquele ou esse canal, não assistindo aquela ou essa novela, onde não somos bem representados, veja bem, cachorro faz propaganda de carro, porK o negro(a) compra uma marca de carro que coloca um cachorro dirigindo? Tem até outros bichos, ex. polvo, mas nunca negro(a)s, esta mudança esta e estará em nossas mãos, umas lojas que fazem propagandas com mulheres brancas já ligaram aqui p/ minha casa, EU VERBALIZO, NÃO PODEMOS ADQUIRIR ESTE CARTÃO POIS NÃO FAZEMOS PARTE DO PÚBLICO ALVO DESSA EMPRESA, VEJO PELAS PROPAGANDAS NA MÍDIA, o mesmo acontece qd recebo e-mail de empresas que praticam o mesmo procedimento, vou no site e retiro o meu e-mail da lista, sempre tem a pergunta que não quer calar: PORK QUER SAIR DA LISTA, ai meu irmão, eu verbalizo, LENDO NO SITE, E VENDO NA TV, SÓ HA ANUNCIO COM MODELOS BRANCA(O), EU E MEU FILHO NÃO FAZEMOS PARTE DO SEU PÚBLICO ALVO, ou seja, não me mande mais e-mail.
Já li em comentários, pessoas mencionando esse fato, frases desse tipo - OS NEGROS NÃO ESTÃO EM LUGAR NENHUM, SÓ NA CADEIA, (HOMENS) E MULHERES NA COZINHA, E NÃO TEM INTELIGENCIA PARA FAZER NADA. Precisamos mudar isso. PORK NÓS NÃO NOS JUNTAMOS E MUDAMOS ISSO? Pronto falei
É por aí mesmo, confesso que esse tipo de atitude, apesar de já ter sido passada pra mim por um colega em tempos de segundo grau só me aflorou mesmo de uns anos pra cá, e se potencializou com a série de vídeos 'Tá bom pra você?', do ator Érico Brás e sua esposa, Kenia Maria.
Realmente é bizarro todo o esforço em não colocar nossa cara na tela, no outdoor ou na capa da revista, fazendo muita gente achar que o negro é minoria no Brasil. No meu outro blog, raizdosambaemfoco, cheguei a receber um comentário dizendo que minha denúncia ao racismo sobre a nova Globeleza (pela montagem maldosa, não que eu tenha assistido) era mimimi, porque o racismo, segundo o internauta, já teria acabado há anos, sendo só casos isolados hoje em dia. Pode isso? Enfim, o 'Tá bom...' levanta essas questões. Somos maioria da população pobre, mas não aparecemos no comercial de margarina, absorvente, de creme ou escova dental e mais nada que, como maioria, somos os maiores consumidores. É bizarro, mas estamos aí na luta. Nossas atitudes todo dia é que vão fazer diferença, sobretudo servindo de bom exemplo para os mais novos, pra que estejam preparados para a sociedade que nos exclui.
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