Sofro de verborragia incontinente (ou incontinência
verborrágica, como eu também inventei, rá!), então, muito do que estou dizendo
aqui e agora, com um pouco mais de calma, pelo menos no sentido de organizar
ideias fervilhantes, já foi dito no Facebook e gerei conteúdo com diversos
compartilhamentos na rede, inclusive, mas a questão aqui é outra, um pouco mais
profunda do que o que joguei diretamente no 'feici', num arroubo de
impulsividade diante do que Faustão disse sobre o cabelo de Arielle Macedo. Vamos
aos pontos, porque se eu falar tudo de uma vez, perco o fio da meada e vou
tocar um samba pra distrair.
O caso
Fausto Silva, aquele, falou ‘cabelo de vassoura de bruxa’
para se referir a Arielle Macedo, dançarina e coreógrafa de Anitta, aquela. Bem,
falou-se muito na internet de uma semana pra cá – o que abafou até a própria
cantora executando – literalmente – uma canção de Roberto Carlos. Eis que
Fausto chega uma semana depois para se retratar e apenas defende que não foi
racista porque tem fncionários negros e brinca assim normalmente. Claro,
Fausto, nenhum senhor de engenho era racista, eles até tinham escravos negros e
os deixavam dormir na fazenda, aham, Cláudia, senta lá... A emissora em geral,
a TV em geral quase não apresenta negros e em posição afirmativa então, é raro,
se não extinto, ou melhor, nunca inaugurado. Mas vamos ao que interessa.Por questões de direitos autorais, os trechos completos só ficam nos sites da Globo, aqui, achei links com trechos e edições pontuais.
Faustão e a exótica negritude
Fausto Silva, notoriamente, é um branco em convívio branco,
ou seja, negro perto dele é minoria e subordinado, o famoso caricatura, aquele
que ele pode tripudiar e terá que aceitar, porque emprego tá difícil (eu mesmo
dancei recentemente diante de um babaca assim). Esses tantos negros que ele
disse em seu 'direito de resposta' e que trabalham com ele, só podem estar nos camarins
e outros ambientes, ou ainda, devem folgar aos domingos, pois no palco eu já
reparei umas três pessoas, umas duas bailarinas e aquela animadora de plateia
apelidada de Michael Jackson. Nada de contra-regra, diretor ou outra função
mais evidente, enfim, foi o famoso 'não sou racista, tenho amigos negros'.
Aí, isso se desdobra em outro ponto, Faustão refletiu o que
eu já vi até em meu convívio social: Pessoas brancas de classes mais remediadas
e que não se identificam com uma realidade que não a delas. Pessoas que não
sofrem na pele o preconceito e que realmente acham que o racismo só vai se
apresentar necessariamente em violência física e palavras agresivas, se é que existe, pois já ouvi no www.raizdosambemfoco.wordpress.com que o racismo já acabou há anos, só restando casos isolados. A ironia é
que também negam que a viol~encia policial se volte contra o negro, na verdade,
gente assim, nega que existam negros, porque assim eles não precisam admitir o
racismo, por que muitos o têm, mas diluem em piadas e comentários constrangidos
e constrangedores sobre cabelos, narizes, cores, etc. É a tática de agredir
sorrindo pra amenizar a agressão, mas a brincadeira sempre tem fundo de
verdade, não?
A auto-estima do negro e da mulher negra
Faustão também mexeu em dois pontos delicados. Ele usou de
piadas que ouvimos desde crianças e que não são engraçadas para os alvos delas.
Eu lembro, era de matar, crianças rindo de você e te apontando, chamando de Buiú,
Chita e outros que prefiro não detalhar. Já é foda ser negro nesse país, pois
somos ignorados por um lado e exterminados por outro. Veja quantos negros e
pardos renegam sua negritude pra parecerem mais brancos, mais aceitos, se não
eles, seus filhos, através de relações interraciais, que significam a famosa síndrome
de Cirilo e a ascensão social que é ter filhos claros, de olhos claros e cabelos
lisos... Isso porque somos o país com mais negros fora da África inteira (que é
um continente e não um país como muitos pensam ;p).
Tem a questão específica da mulher, que cresce assistindo a
comerciais com gente branca lutando contra fios levantados no meio da cabeleira
escorrida, como uma menina se sente? Ela não se vê, ela ouve piadas até dentro
da família sobre seu ‘pixaim’, ela muitas vezes não é criada pra admirar as
coisas do negro, é montado na sua cabeça um desejo de embranquecer para não
sofrer ofensas, ser negro é uma doença congênita na visão de muita gente e
isso, na infância, causa danos profundos na mente do negro. Arielle, com
certeza, tem histórias pra contar sobre o que já ouviu bem antes do Faustão
abrir a matraca, mas graças à sua mãe, ela aprendeu a se gostar e se valorizar negra, ufa!. Faustão, você não fez uma piada, você reforçou um preconceito
que o negro sofre há 500 anos. Negar isso é querer tapar o Sol com uma peneira,
porque admitir que é racista ninguém vai, sempre vão se esconder atrás de uma
falsa boa intenção, já que racismo, ao contrário da negritude, é só ideologia,
não transparece fisicamente.
O preconceito velado
Fausto usou do maneirismo mais racista que há, o racismo
velado, aquele que se apresenta “em forma de piadas que teriam bem mais graça
se não fossem o retrato da nossa ignorância, transmitindo a discriminação desde
a infância. E o que as crianças aprendem brincando é nada mais, nada menos do
que a estupidez se propagando (...)”, como diz Gabriel, O Pensador em seu
primeiro disco, na canção Lavagem Cerebral. Desde os 11 anos, quando quase fui
levado – sei lá pra onde – por policiais sem motivo algum, apenas por estar
negro e aparentemente indefeso (valeu, papai Sagatiba!), tenho essa canção como
mantra. E o trecho da música aborda tão bem o que eu falo, que achei válido desferi-la
logo aqui do que ficar me rodeando no assunto.
O racismo não vai vir em forma de bigorna na sua cabeça ou
em forma de uma lança com uma faixa anexada, ele vem assim, quando os traços do
negro (cabelos, narizes, cores) são alvos de deboche, quando o deboche e a
discriminação vêm pra cima das religiões de matriz africana, quando um ator se
veste de negro pra fazer estereótipo do que é mais ridicularizado na sociedade,
ou até quando um negro se faz de alvo pra garantir risadas fáceis, como quem
tira a chibata do feitor e se auto-flagela. É, fausto, é na piada que
escondemos nossas ideologias, ou melhor, é na piada que descaramos nossas
ideologias, apenas usando de um artifício de auto-defesa pra amenizar, mas
ainda assim, manter o pensamento. Se não, como você esplicaria o fato de em
momento algum de sua ‘defesa’ você ter sequer mencionado algo como ‘não tive
intenção de ofender, se foi o caso, me desculpe’.
Você SE defendeu, mas não pensou em momento algum que pode
ter ofendido, mesmo que nem fosse uma colocação racista, falar do cabelo de uma
mulher, em nossa sociedade, é o mesmo que usar desodorante repelente de sexo,
você não ganha a menor simpatia com isso, se usou da piada, estava mesmo
diminuindo o valor daquele belo Black que Arielle tem. Você é do tipo de gente
que diminui a participação de um menino negro numa novela porque ele tem um
cabelo rejeitado pelo público, ou de gente que comenta ‘também, com esse cabelo’
pra justificar uma prisão equivocada, confundindo um suspeito com um
trabalhador, etc. Esse é o mecanismo do racismo, ele tenta se proteger pra
sobreviver. O racista é como uma barata, aparece até chamar à atenção, depois
se esconde nos esgotos até a poeira baixar. Estamos de olho! Aliás, olho, SBP,
Raid, Baygon, bombinha de Fritz e, claro, minha raquete elétrica, Scarlett.
Arielle declarou:
“Sobre o episódio do Faustão de ontem… fico muito feliz pelo carinho e por de alguma forma vcs me defenderem! Se me ofendi… claro, na hora sim! Mas apelidos é o q mais recebo por aí na rua. Só que eu tenho a minha forma de me manifestar quanto a isso. O cabelo é meu, a vida é minha e me acho linda, e isso é o mais importante! Não me deixo oprimir por nada e nem opinião de ninguém! E se vc se sente bem com isso é assim q deve agir. Enquanto isso estou andando por aí com meu “cabelo de vassoura de bruxa” que eu amo. E que me desculpem as pessoas normais oprimidas pela sociedade. É, eu não sou normal! O racismo sempre vai existir ele se fortifica quando nos sentimos ofendidos . Se estou bem e certa de que eu sou, dana-se a opinião dos outros! Apenas intensificarei minha água oxigenada! Aceita que dói menos!”
Enfim, infelizmente a declaração de Arielle foi retirada, há quem diga que pra preservar sua acessibilidade na Globo, ou melhor, de Anitta, que precisa dessa vitrine e faz parte do grupo Globo, de certa forma, mesmo motivo que eu acredito pra não ter repercutido em grandes meios de comunicação, fizeram um clássico 'abafa o caso', o que me lembra que aquela tchurminha tchubiruba do 'SOMOS TODOS HUMANOS' só reclama quando o negro levanta a voz, mas nunca chorou a ausência dele nos lugares privilegiados da sociedade. Aliás, geralmente ,acham que tudo ´´e questão de esforço, é só trabalhar que você consegue... vide a quantidade de gente rica nesse país, né? Hipócritas fervorosos, odeio essa seita.
2 comentários:
Cara, você fala tudo o que fica entalado na garganta em momentos lamentáveis como esse ocorrido, e com um toque de humor. Sou sua fã. E estamos juntos no enfrentamento ao racismo e à falta de empatia de muitas pessoas pela situação do negro no Brasil e no mundo.
Fernando, texto excelente, mas tenho umas sugestões que postarei por mensagem.
Pontual, direto, repleto de exemplos. Sem "bananização", termo que empresto de Ana Maria Gonçalnes, do Blogueiras Negras.
#racistasnãopassarão
Se a rede Olimpo tira, nós publicamos, com mais força.
Abraços.
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