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quinta-feira, 28 de maio de 2015

Kara: Uma mulher-robô que pensa diante do machismo


Bem, vamos falar de machismo (Ain, Saga, achei que fosse algum assunto legal). Calma, gafanhoto, que o assunto é legal e ainda te dou um plus: Vamos usar o fio condutor da maravilhosa computação gráfica aplicada a games (hooraaay!). Melhorou? Melhorou. Então, deixe-me lhe fazer uma introdução (UIA!). Estamos falando aqui da Quantic Dreams, um estúdio francês de desenvolvimento de games que, entre outros, é o responsável por Heavy Rain (que eu não joguei, mas minha filha número 3 jogou e disse que é muito bom). Bem, o papo é que há alguns anos, o estúdio fez um trabalho de curta duração, segundo um camarada me falou à época, apenas pra testar uma nova engine (tecnologia que permite construir toda a ‘magia’) e o nome desse trabalho foi chamado de Kara. Deixe eu te colocar por dentro (UIA²).

 Bem, Kara é um robô com inteligência artificial sensível capaz de falar vários idiomas, cantar, conversar e interagir como qualquer pessoa (qualquer pessoa poliglota e de dons artísticos apurados) e isso tudo pra quê? Pra ser comercializada, afinal, ela é um objeto criado pra servir a homens que queiram uma empregada, uma secretária, uma amante, enfim... Ela vem com todas as capacidades de uma mulher comum (repito, comum, mas poliglota... poliglota, cara!) pra servir ao propósito que seu futuro dono bem entender. E é aí que o bicho pega. Todos os testes são realizados com sucesso enquanto seu corpo vai sendo montado a partir da cabeça já pré-programada de fábrica, ela vai demonstrando uma satisfação genuinamente humana em estar viva.


Daí, então, o, digamos, cientista que fala com ela pra ir realizando os testes de voz, canto, locomoção e tudo, dá um comando às máquinas que, estando tudo legal e chuchu beleza, ela já pode ser preparada pra ser embalada e vendida. Ela dá pra trás e questiona o porquê do procedimento e diz ‘É que eu pensei...’. O interlocutor fica chocado com a atitude dela (Oh, shit!) e dá um comando pra ser tudo desfeito, que não era esperado que ela tivesse sentimentos próprios, que ela aceitasse sem retrucar ser mandada pra algum cara por aí afim de uma companhia cibernética. Ao passo que ela vai sendo desmontada, seu coração artificial começa a disparar e num momento de desespero humano, ela implora para continuar ‘viva’, promete não questionar mais.


Então, mesmo demonstrando preocupação na voz, o cientista permite que ela seja remontada e, estando pronta, manda que ela se junte às outras. Quando ela se vê perfilada com as outras, repara que todas são iguais e cada uma vai pra um lugar diferente, ao gosto de cada freguês.

Olha, pra apenas um teste de engine nova isso é muito mais que um teste drive, né? Só de olhar como o troço foi feito com cuidado, você quase compra a ideia de que é uma atriz real sendo alterada por CGI e não uma personagem completamente virtual, mas não é só isso que eu queria falar. Na época, há uns 4 anos atrás, quando assisti pela primeira vez, alguém me falou que isso seria uma analogia perfeita ao modo como o machismo trata a mulher. Veja bem que eu vou destacar no próximo parágrafo.


 O homem queria uma mulher pronta pra servir, então, moldou seu comportamento antes de ela estar ‘pronta’, ou seja, desde meninas inocentes sem se dar conta de suas capacidades. Depois, ela é aprovada enquanto faz tudo que o homem manda. Ela mostra que é obediente. Na hora que contesta aquele que a domina, ela é ameaçada de perder tudo, de ser excluída até do lugar limitado que lhe foi pré-determinado (perceba as mulheres que não servem 'pra casar', são as rejeitadas, prostitutas, as 'solteironas' e todo adjetivo pejorativo). Só faltou as outras intervirem pra censurar a mulher pra que não conquistasse o que elas aceitaram 'conformadas'. E, pra finalizar, somente na hora que promete não falar nada, apenas servir sem falar ‘fora de hora’ é que ela tem permissão para se juntar a todas as outras, iguais a ela, silenciadas e prontas para serem criadas ou objetos dos homens que estão pelo mundo afora aguardando pra usufruir de seus ‘serviços’.

Aula de machismo pra sociólogo nenhum botar defeito, hein? Fiquei com isso na cabeça desde aquele dia que assisti ao vídeo por indicação e muita água rolou por baixo da ponte até que nem sei como, me deparei com o vídeo de novo hoje. Então é isso, caso não tenha percebido a ligação do virtual com o real, apenas ligue seu PS3, gafanhoto, caso não, aprenda que mulher tem todo direito de falar o que pensa, fazer o que quiser e não será diminuída por isso. Criemos consciência nos homens (meninos) pra que as mulheres (meninas) não tenham que ser podadas no psicológico. Só existe machismo, como em todo sistema de dominação, porque homens não se garantem tendo mais que eles mesmos pra dividir responsabilidades.



É isso, não finja, deixe o cara saber que é ruim de cama, não diga que sim só pra agradar, não tenha medo de ser xingada ao falar não (não quer dizer não) e não limite a coleguinha que já escapou dos ‘pudores’ da sociedade cristã falsa moralista da família tradicional brasileira. E quem sou eu pra falar? Ninguém. Sou só um Mané com mulheres fortes o suficiente à minha volta e ao longo da minha vida pra sacar desde cedo que não são criadas pra fazer comida, lavar, passar, varrer e cozinhar e aliviar impulsos masturbatórios no fim do dia. Enfim, sou um homem que não se sente ameaçado por mulheres com personalidade e independência. E gosto disso. Na verdade, tinha que ter mais.


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