Não é de hoje que cito HQs em meus artigos ou postagens e
você já percebeu isso se deu uma olhadela no histórico dos lugares onde publico
textos. Ao longo dos tempos, me tornei um decenauta em questão de quantidade de
material da DC Comics, mas tudo começou mesmo com a Marvel, quando eu acumulava
bonequinhos figuras de ação de Homem de Ferro, Capitão América (e ainda
achava que o personagem era um lacaio patriótico estadunidense) e meu preferido
sempre sempre: Homem-Aranha. Num determinado ano, comecei a comprar
regularmente as revistas do meu favorito, naquele formatinho da editora Abril,
típico dos anos ‘90s, mas logo fui apresentado a X-Men, uma equipe esquisita,
pois brigavam entre si, tinha confusão e poderes bizarros. Era o clássico
desenho de 1990 ou 1992, algo assim. Claro, quando o interesse me levou aos
gibis, me deparei com histórias e equipes bem diferentes, personagens que não
existiam em um lado e foram criados no outro, histórias adaptadas e essas
coisas que os nerds mais novos só se chocam agora quando mudam das Hqs pro
cinema.
O caso é que X-Men sempre foi uma série muito didática.
Existe a história de que quando Stan Lee participou da criação do conceito dos
heróis (junto a desenhistas que concebiam os visuais), ele quis algo diferente
do que já havia feito. Enquanto o contexto político apontava para a Guerra Fria
e aquela tensão de ataque nuclear, todas as formas de radiação geravam poderes.
Radiação em aranha, vira homem-aranha, radiação gama, vira o Hulk, radiação
Vita com potencialização gama, vira o supersoldado (que de soldado já nasceu
como capitão América), radiação cósmica vira quarteto fantástico e por aí vai...
Só que com essa nova leva, eles queriam algo mais dinâmico, sem muita
explicação, então, nasceram os filhos do átomo, os X-men, aqueles que quase que
inexplicavelmente já nasciam com a fonte de seus poderes. Havia um contexto
preparado de que indiretamente os mutantes absorviam alguma radiação, talvez em
nível genético, de pais expostos a alguma radiação (olha ela aí de novo), como
é o Professor X, por exemplo. Mas a característica que origina este texto é a
forma como se desenvolvem os poderes.
Tá, a coisa tá lá e não precisa explicar muito, mas como
eles conseguem lidar com isso? O Cíclope não nasceu atirando rajadas ópticas de
plasma, nem Wolverine praticou cesária na sua mãe de dentro pra fora com suas
garrinhas, né, não? Então, a semente dos poderes causou uma mutação em uma
parcela da população e seus descendentes representariam uma espécie de salto na
evolução, quase que uma nova espécie de ser humano surgindo, assim como o homo
sapiens substituiu o homo erectus, estaria agora sendo substituído pelo homo
superior (nome original, hein?). Manifestando-se, geralmente, na adolescência,
dada a ebulição de hormônios e mudanças no corpo, o gene X fazia com que as
crianças desenvolvessem seus dons com a naturalidade e espontaneidade que
hormônios fazer crescer pelos, espinhas, seios, quadris e tals... Vamos às
abordagens sociais a partir dessas mudanças? Vamos.
Adolescência
Essa é a mais óbvia, numa fase em que você além de descobrir
seu próprio corpo, descobre pra que servem certas partes e precisa lidar com
isso. Eu, por exemplo, fiquei muito alto e desengonçado ainda com 13, 14 anos.
Foi uma lástima passar por isso. Imagina se você descobre que um beijo pode
deixar alguém em coma ou que você pode arrancar a cabeça da professora numa
olhada? Barra... amigxs, barra.
Racismo
Enquanto Xavier tem o sonho de que humanos e mutantes
convivam em paz, Magneto não confia na humanidade pela parte que os persegue
por serem diferentes e prega o separatismo, que mutantes tenham seu próprio
lugar à parte dos humanos que os odeia e querem destruí-los. Além disso, tem o
Stryker que defende o extermínio dos mutantes em nome da pureza da humanidade “normal”.
Isso nada mais é do que Martin Luther King Jr (Xavier) em conflito ideológico
com Malcolm X (Magneto) e os dois na mira da Ku Klux Klan (Stryker e seu grupo ‘purificador’).
Luther King tinha um sonho de paz, X já tinha visto a solução em conflito
armado (Black Panther) e ambos queriam, em suas próprias visões, a paz e
segurança para seu povo: Negros (mutantes).
Antissemitismo
O próprio Magneto vai exemplificar esse aqui, de novo, com
Stryker. Magneto é judeu e vítima do holocausto, sobrevivente da segunda
guerra. Seus poderes se desenvolveram depois de adulto quando já tinha
constituído família num momento de fúria por ter perdido uma filha, o que fez
sua esposa fugir (grávida, dando à luz depois aos gêmeos Pietro e Wanda, mas
esse é outro assunto). Magnus, ironicamente, por horror ao holocausto, defende
que os mutantes, sendo uma raça diferente, viva em um lugar só dele, ao passo
que Stryker traz o terror da ilha Genosha onde mutantes são marcados e
aprisionados para controle e extermínio, como um campo de concentração.
Homofobia
Usei de forma improvisada o termo homo no sentido do que não
é hétero, ok? Mas estão englobados trans, bi, lesbo, etc, só pro subtítulo não
ficar muito extenso. Mas voltando, um caso que exemplifica perfeitamente a
comparação de mutantes a gays é uma cena de X2 (X-Men 2), quando, fugindo de
Stryker (de novo ele), Wolverine, Pyro, Vampira e Homem de Gelo vão até a casa
deste último para esperar a poeira baixar. Enquanto esfriam a cabeça, os pais
de Bobby retornam com seu irmão e é hora de ele admitir que é um mutante. Na
verdade, ele “sai do armário” com direito a choque da família e sua mãe dizendo que a culpa é dela, perguntando se não tem como ele deixar de ser mutante (“filho, já tentou... não
ser assim?”). E fica aquele jogo do pai que não aceita o filho como é, o irmão
o denuncia como fugitivo e é mais um gay mutante expulso de casa por não
ter apoio da família na hora que mais precisava, tendo que encarar o mundo e
sua violência sozinho. Ah, e tem o vírus Legado, uma doença própria pra quem
tem o gene mutante, mas que afeta seres humanos também, numa escala diferente.
Faz lembrar a monstruosa fofoca que tomou o mundo alegando que AIDS era doença de
gay, de grupos de risco como prostitutas, gays e drogados com injetáveis.
Comunismo
As várias vezes que o projeto do Senador Kelly veio à baila
para registrar mutantes junto ao governo pra manter controle sobre eles e poder
prevenir uma possível ameaça mutante é a mesma coisa que um projeto
estadunidense para rechaçar a ‘ameaça vermelha’ que nada mais era além do
comunismo, que sempre pareceu uma ameaça aos reis do capitalismo. Pra quê a
ideia de o trabalhador ter o controle dos rumos da sociedade e tirar da mão do
pequeno grupo que os mantém sob coleiras? Pois é, seres humanos não gostavam da
ideia de um cara que pode dobrar uma tampa de bueiro com um pensamento andando
por aí. Vai que ele cisma de andar pelado só de capinha e você não pode
reclamar pra não ter o ferro do organismo concentrado e enfiado no umbigo? Vai
vendo...
Subcultura e deficiência
Os Morlocks receberam esse nome sob influência das criaturas
de H.G Wells, em sua obra A Máquina do Tempo, porque eram criaturas estranhas
que causavam medo e viviam no subsolo. Na verdade, os Morlocks da Marvel são
mutantes como qualquer outro, mas com uma característica os diferencia: São
considerados deformados demais pra viverem entre os humanos como se fossem
eles. Tipo, ninguém questiona o Ciclope por estar sempre de óculos, mas seria
esquisito não reparar naquela moça que é fina igual papel ou no jovem com
aparência de borracha. Isso nos remete diretamente aos excluídos da subcultura
com seus visuais alternativos, piercings, tatuagens e demais body art, mas
também lembra das pessoas com necessidades especiais, pois perceba que muita
gente não diz, mas adoraria que cadeirantes e demais deficientes ficassem em
suas casas pra não ter que se deparar com alguém que precisa de mais ajuda do
que eles em várias oportunidades.
Religião
Há o aspecto religioso também. Ao passo que vários mutantes
possuem diferentes religiões entre si, a igreja purificadora de Stryker (putz,
o cara é pior que o Magneto) considera que mutantes são obras do capiroto,
portanto, não podem ter religião, já que não são seres humanos de verdade.
Igualzinho a uma galera mala falha por aí que acha que só eles é que são os
certos e o resto está fadado ao inferno. Aliás, na mitologia deles, o inimigo é
personagem da religião dos outros. Como é?! Sim, já que estamos falando de
quadrinhos aqui, seria como dizer que todo mundo no universo X da Marvel é
bonzinho, o inimigo mesmo é o Bátema, porque ele se veste de maneira diferente
da dos X-Men e tem um jeito de se comportar diferente. Não que possam haver
diferentes maneiras de combater a maldade, eles precisam apontar alguém pra
odiar. Assim a humanidade faz com os mutantes, assim a humanidade faz com a
humanidade e assim eu termino meu parecer sobre uma das séries que marcou minha
adolescência e que adoro reler o que tenho de tempos em tempos.
P.S: Agora eu sou esquerdopata gayzista feminazi bolivariano
vitimista e MUTUNISTA. Rá!
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