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quinta-feira, 14 de maio de 2015

14 de maio de 1888: Dia do Te vira que tu num é quadrado

Há 127 anos o Brasil vivia uma revolução social.



O quê? Abolição Não, como diria Joaquim Nabuco (abolicionista), não basta acabar com a escravidão é preciso acabar com a obra da escravidão. Tô falando do dia seguinte pra cá. Abriam-se as senzalas, abriam-se grilhões (afora os muitos casos em que isso foi legitimamente ignorado pelos cidadãos de bem - então ex - senhores de escravos) e o negro era liberto. pense bem no absurdo, todo cidadão nasce livre, mas o negro precisou de um 'favorzinho'. Falta o quê pra entender que a sociedade não o aceitava como cidadão?

Até porque se você reparar bem nas leis abolicionistas, todas parecem muito lindas em seus títulos, mas foram medidas de protelação da abolição. Trataram com uma obrigação que na verdade, ninguém queria. Enquanto houve uma guerra nos EUAses entre o norte abolicionista e o sul cabeça oca escravista, aqui, tínhamos:

7/11/1831 - Lei Feijó - Proibia o tráfico negreiro, mas como o sistema econômico e social era todo baseado no racismo e na escravidão, a letra da lei ficou na geladeira. Lembre-se sempre na expressão "pra inglês ver", não é à toa, as leis só eram obedecidas diante de fiscalização. Do contrário, fazia-se tudo como antes.
4/9/1850 - Lei Eusébio de Queiroz - Mais medidas de repressão ao tráfico de gente de África pra cá e a mesma prática pra - quem, quem, quem ver? - inglês ver.
28/9/1871 - Lei do ventre livre - Um escravo menor de idade não tinha autonomia pra se sustentar e considerando que seus pais, quando conhecidos, eram escravos, adivinha o que acontecia? Ele ficava sendo explorado tutelado pelo senhor de sua mãe. Ah, e se o senhor desse um destino à criança após 8 anos, recebia uma indenização do governo, ou se valia dos serviços dele pra pagar sua "estada" até os 21 anos. Que bom, né?
28/9/1885 - Lei do Sexagenário - Essa é malandra igual à do ventre livre, pois se uma criança precisava ficar trabalhando como sempre pra estar perto da mãe e ter onde morar e o que comer, um escravo com menos de 15 anos já era considerado adulto e com 30 já era bem velhão. Imagina pros poucos que chegavam aos 60? Já eram mais despesa para os senhores do que lucro de trabalho, logo, eles tinham a obrigação de cumprir mais 3 anos de serviço, aí, estavam livres... pra quê? Soltar ex-escravos que mal podiam trabalhar numa sociedade que não pagava salário a negros, muito menos aposentadoria... Como diria Tarja Preta em Falsa Abolição "lei do sexagenário, aí, foi tiração".

Então, veio a Lei áurea... Digam lá, meninas.




Sabemos que quando há um plano de inclusão, há toda uma parte conceitual e estrutural para que a inclusão seja feita. Por exemplo, você não entra num curso sem ter comprado material, não canta uma música sem tê-la ouvido antes, logo, se você 'liberta" toda uma população - que já era maioria dos habitantes deste país quando a família real portuguesa fugiu de Napoleão pra cá - você faz um planejamento de o que vai fazer com ela. Manda de volta pra África? Cria aparatos legais para que tenha base para estudo e trabalho?



Bem, o - até então - governo imperial fez a mais preguiçosa de todas as alternativas; Abriu as senzalas pro negro sair por uma porta, enquanto na outra entrada das fazendas chegavam italianos, alemães, polonoses, etc. Todos com incentivos legais, financeiros, pedaços de terra para plantar e garantir que qualquer um, menos essa negada prosperaria em terras onde tanto sangrou, suou e que ergueu no braço por séculos no lugar de quem se acha superior até hoje (assista ao Globo Rural um dia só e constate quantos fazendeiros negros você vê).

Se 13 de maio foi liberdade pra inglês ver, 14 de maio foi miséria pra negro viver, pois os cortiços se encheram, moradias irregulares e amontoadas cresceram, as famosas favelas passaram a colorir o cenário urbano, sobretudo quando a população abandonada começou a migrar para áreas de maiores "oportunidades" como Rio de Janeiro, onde, no fim das contas, se desenvolveria a cultura afro na - por isso chamada - Pequena África, Zona Portuária-Praça XI cariocas. Mas voltando, muita gente fala pra esquecer disso, que é passado com a mesma boca que fala que cotas são favorecimento.



Pois não são. É pelos tantos anos que o negro trabalhou recebendo apenas restos de comida, porrada e estupro que ações afirmativas são necessárias, afinal, que negro ia chegar lá e falar "ei, psiu, cadê meu fundo de garantia e férias proporcionais desses séculos que eu trabalhei de graça pra você, Brasil?". Então, quando falam em DÍVIDA HISTÓRICA é isso. Favorecimento foi erguer uma sociedade nas costas do negro e achar que isso é normal (favorecimento e estupidez). Se o negro não tinha saneamento básico onde achou moradia, a expectativa de vida não chegava aos 5 anos pras crianças e havia proibição de exercer vários cargos na sociedade estipulado por lei... Então, cotas são uma medida de equiparação sim.

Vivemos hoje o que deveria ter sido feito pela 'maravilhosa' Isabel naquela época. E a exemplo da continuidade de inclusão do negro mais de um século depois, vivemos também a reação da sociedade metida a conservadora tentando distorcer qualquer coisa que permita o negro chegar com condições. É tipo você disputando uma corrida com aquele seu primo menor. Enquanto você sabe que pode ganhar porque ele é pequeno, tá de boas, mas quando ele começa a mostrar que pode te superar igualando a disputa com adaptação de distância ou percurso, aí, fica chato, você acusa de favorecimento, né? Assim é o reaça que faz de tudo pra impedir o negro de ter iguais condições.



Bem, já escrevi bastante sobre cotas e ações afirmativas em outras oportunidades e, neste momento, a ideia é apenas mostrar a aplicabilidade e a razão de ações afirmativas serem um brilho em nossas vidas hoje, porque não houve isso antes. Era comum ver o negro brilhar no carnaval, apontado como selvagem (é daí que vêm termos como 'bloco de sujo') e rei ao mesmo tempo, tendo que viver lambendo botas ao longo do resto do ano. Hoje, tem gente que acha que cotas são uma mudança na programação da globo pra 'ser contra'. Pra ser contra cotas tem que ser contra os beneficiados, não há dissociação. Quem está realmente vivendo de passado aqui? Nós que queremos evoluir essa sociedade desigual ou quem acha que tudo se resolve batendo os calcanhares e pensando firme como em Lua de Cristal? Ou melhor, achar que a solução é apenas mudar conceitos e não ações, será que está pensando mole ou só quer que nada mude?

Na certa, faria igual Bebel de Bragança e sua tchurminha, tirando do açoite da senzala (pela pressão abolicionista interna e externa e comercial/industrial inglesa), mas direto pra favela, pois não achou-se responsável por alguns milhões de afro-brasileiros com cicatrizes nas costas, nas caras e nos psicológicos. Não à toa, um ano depois o império dançava e a família tchubiruba era exilada. Leão comendo leão naquela briga de foice. Só o negro sobrevivendo com sua própria resistência não mudou.

2 comentários:

JOJO disse...

Pressão inglesa, sério? A Inglaterra, senhora do mundo naquela época iria querer os 15 por cento de escravos que sobravam no Brasil, pra vender enlatado (em trono de 80~85 por cento dos negros já eram livres), sinceramente, mais lógica por favor. Quanto a questão da Lei Áurea eu não entendo mesmo, se a Princesa Isabel não fez nada de mais (apenas 15 por cento era ainda escravo), os abolicionistas também não deveriam ter nenhuma consideração, tiveram também participação política pra isso. E cotas raciais repetem o conceito Eugenista One Drop Rule Americano, minha mãe parda por causa da ascendência indígena vocês contam como negra pra fazer massa de voto. Talvez os Eugenistas Americanos não estivessem errados, já que o MN aqui tá concordando

JOJO disse...

*torno

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